Escândalo: Donos de espaços culturais de elite no Rio e São Paulo têm fazendas sobrepostas a terras indígenas

Escândalo: Donos de espaços culturais de elite no Rio e São Paulo têm fazendas sobrepostas a terras indígenas

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Considerado um dos espaços nobres para shows em São Paulo, a Casa de Francisca está abrigada no centro da cidade, no Palacete Tereza Toledo Lara, cuja proprietária possui 2 mil hectares sobrepostos à Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaipeguá I, reivindicada pelos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

Palco de gravações de filmes e videoclipes, a Fábrica Behring, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, é outro espaço administrado por milionários com um pé no agronegócio. O espaço cultural e gastronômico é administrado pela família Barreto, que fundou a antiga planta de processamento de café e disputa cerca de mil hectares sobrepostos à TI Tekoha Jevy (Rio Pequeno), em Paraty (RJ), onde vivem indígenas Guarani Mbya e Guarani Nhandeva.

Os dois casos que ligam a indústria cultural aos conflitos territoriais com os povos originários fazem parte do relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas“, publicado no dia 19 de abril pelo De Olho nos Ruralistas. Com base nos dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o estudo identificou 1.692 sobreposições de imóveis privados em 213 áreas demarcadas em todo o país.

O documento está disponível na íntegra e pode ser baixado aqui.

INDÍGENAS SÃO AMEAÇADOS EM PARATY

Localizada na Zona Portuária do Rio, a Fábrica Bhering foi a primeira indústria de torrefação e moagem de café do país. No local, fundado pelo empresário Ruy Barreto, eram produzidos gêneros alimentícios como balas, doces e o extinto Café Globo. Com sua desativação, nos anos 90, a grande construção, tombada pela prefeitura carioca, se tornou um famoso ponto turístico, onde os visitantes podem desfrutar da bela arquitetura, exposições de arte e eventos culturais. As instalações serviram de cenários para os filmes “Meu Nome Não é Johnny” (2008), “Redentor” (2004) e Olga (2004), além de videoclipes musicais como o de “Pesadão” (2018), da cantora Iza.

Antiga fábrica de café tornou-se polo cultural no Rio de Janeiro. (Foto: Divulgação)

Ruy Barreto, fundador da fábrica, morto no ano passado aos 95 anos, é considerado um dos pioneiros da indústria cafeeira nacional. Sua empresa, a Café Solúvel Brasília (CSB), foi patrocinadora oficial das Olimpíadas de Moscou em 1980, e o Café Globo, produzido na Fábrica Bhering, foi o café oficial do evento. Em 1990, a empresa exportava para mais de 50 países. Após alterações na política de incentivo às exportações do gênero no Brasil, a marca perdeu sua expressividade.

A família também é dona da Industrial Agrícola Fazendas Barra Grande S/A, empresa sediada no mesmo quarteirão da Fábrica Bhering, registrada pelo Incra como proprietária de 1.081,09 hectares sobrepostos à TI Tekoha Jevy (Rio Pequeno), em Paraty, no litoral sul fluminense, onde vivem indígenas Guarani Mbya e Guarani Nhandeva.

Indígenas da TI Tekoha Jevy vivem do artesanato e da agricultura de subsistência. (Foto: Divulgação)

No início do ano, o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma Ação Civil Pública para assegurar o direito à segurança da TI Tekoha Jevy, em Paraty (RJ). Nos últimos meses, segundo o Ministério Público, os indígenas da região vêm sofrendo seguidos casos de violência. No dia 23 de janeiro deste ano, um homem invadiu a comunidade aos gritos: “Vou matar índio, vou matar mesmo!”

Atualmente, quem administra os bens da família — incluindo a Fazenda Barra Grande — são os irmãos herdeiros Ruy Barreto Filho e Raphael José de Oliveira Barreto Neto. Ruy é proprietário da Café Solúvel Brasília e membro da diretoria da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), além de já ter ocupado o Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Raphael atualmente é CEO da Fábrica Bhering.

Ruy Barreto Filho preside o conselho da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). No dia 10 de abril, o portal Metrópoles informou que o empresário teria convocado os associados para participarem das manifestações golpistas na frente do Comando Militar do Leste, para um “tudo ou nada” após a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

LUXO EM SÃO PAULO SE CONTRAPÕE À MISÉRIA VIVIDA PELOS GUARANI KAIOWÁ

Palacete tombado abriga espaço nobre de shows em São Paulo. (Foto: Divulgação)

Tombado pela prefeitura de São Paulo, o Palacete Tereza Toledo Lara, localizado no centro histórico da cidade, abriga desde 2017 a Casa de Francisca, casa de shows intimista, por onde passaram grandes artistas da música brasileira, como Zeca Pagodinho e Gal Costa. A sua inauguração no prédio histórico contou com a presença do rapper Emicida. Em média, no local são realizados 250 eventos musicais por ano, que custam até R$ 200 o ingresso. O cenário também é frequentemente alugado para realização de casamentos e eventos sociais.

A proprietária do edifício é Tereza Artigas Lara Leite Ribeiro, bisneta do Conde Antônio de Toledo Lara, cafeicultor e um dos fundadores da Companhia Antarctica Paulista, indústria de bebidas que deu origem a marcas famosas como Guaraná Antarctica, Soda Limonada e Cerveja Antarctica. Tereza era frequentadora da Casa de Francisca desde antes da mudança para o palacete que leva o seu nome, herdado de seu bisavô. A proximidade com os produtores da casa de shows facilitou o processo de instalação no novo endereço.

Além do prédio histórico, a herdeira também é proprietária de três imóveis que incidem em 2.080,61 hectares da TI Dourados-Amambaipeguá I. Os lotes compõem a Fazenda Novilho, no município de Caarapó (MS).

Palco do maior conflito indígena do país, o estado possui o maior número de sobreposições identificadas no relatório. Com 447 assassinatos entre 1985 e 2021, os sul-mato-grossenses lideram também em violência no campo. Em um dos casos mais recentes, no dia 24 de junho de 2022, o indígena Vitor Fernandes, de 42 anos, foi assassinado durante uma ação de reintegração de posse realizada pela Polícia Militar, sem qualquer mandado judicial. Outros oito indígenas ficaram feridos no episódio, que ganhou o nome de Massacre de Guapo’y.

A reportagem entrou em contato com a empresária, mas não obteve retorno.

*Tonsk Fialho/De Olho nos Ruralistas

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