Jamil Chade*
Uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal e que corre na Justiça do Rio de Janeiro aponta para indícios de um esquema no qual advogados e intermediários cobravam “taxa de proteção” para que suspeitos não fossem investigados e até mesmo a adoção de uma “mesada”.
A informação faz parte de uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, em 2020, e que apontava para evasão de divisas, exploração de prestígio, tráfico de influência, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Um dos denunciados é Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto. Procurado, ele indicou que “a questão está com o Judiciário, no qual confiamos e falaremos somente em juízo”.
Figueiredo Bastos é o advogado acusado por Rodrigo Tacla Duran como parte do esquema que supostamente garantia a proteção para que certos nomes não fossem investigados pela Operação Lava Jato. Tacla foi advogado da Odebrecht e acusado pelo antigo grupo da Lava Jato de lavagem de dinheiro em 2016.
Há quatro anos, em entrevista exclusiva concedida a esta coluna, ele disse que saiu do Brasil em decorrência da Operação Lava Jato. “Paguei para não ser preso”, acusou. Tacla Duran detalhou, naquela ocasião, a suposta extorsão, no valor de US$ 5 milhões, que começou quando seu nome veio à tona na investigação.
A apuração do MPF do Rio de Janeiro, em 2018, aponta a suposta existência de um esquema. Na denúncia, os colaboradores Claudio Fernando Barboza de Souza e Vinicius Claret “afirmaram que a organização criminosa de doleiros liderada por Dario Messer sofria cobrança e realizava pagamento de uma denominada “taxa de proteção” em espécie aos advogados Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto e Luis Gustavo Rodrigues Flores durante oito anos.
“Os denunciados Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto, Luis Gustavo Rodrigues Flores e Enrico Vieira Machado [que intermediaria a operação] afirmavam a Messer, Barboza e Claret que tais pagamentos seriam repassados a autoridades envolvidas nas investigações”, apontou.
Parte do dinheiro era transferido “para conta mantida no exterior, em nome de empresa offshore de fachada, constituída com a única finalidade de distanciar os valores de sua origem ilícita”.
De acordo com o MPF, houve uma “confissão parcial por Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto e Luis Gustavo Rodrigues Flores de atos criminosos de evasão de divisas”.
Na peça de denúncia, Figueiredo Basto reconheceu os fatos confessados por seu sócio Luis Gustavo Flores, indicando “que esse dinheiro recebido no exterior não foi declarado.” Ainda em seu depoimento, ele teria afirmado “que os pagamentos geralmente eram feitos no escritório em Curitiba” e “que acredita que parte desses valores tenham sido declarados, e parte, não.”
Mesada
Na denúncia, Claret e Barboza informaram ainda que algum tempo após o início do pagamento dessa “taxa de proteção” foi criada formalmente no sistema de contabilidade da organização criminosa uma conta, sob a rubrica “MESADA” ou “MÊS”, para contabilizar os pagamentos feitos como essa “taxa de proteção”.
Nos extratos bancários colhidos pelo MPF, de fato, a palavra “mesada” é citada.
Segundo a denúncia, Claudio Barboza ainda traz prova de que, embora no Sistema somente tenha sido possível recuperar o extrato de duas contas das diversas criadas para contabilizar tais pagamentos (“MES”, “MESADA”, “MES.N”, “MES2”), uma das contas referente ao pagamento da “taxa de proteção” foi criada no Sistema ST em 13/09/2006 e o último pagamento que consta em uma das contas é de 19/03/2013, corroborando o que havia sido anteriormente afirmado que o pagamento de tal taxa foi realizado desde 2006 até 2013, por Claudio Barboza e Vinicius Claret.
Depoimento de Tacla e conta na Suíça
O pagamento do sistema de proteção voltou à tona em audiência realizada em 9 de maio de 2023. Naquele dia, Rodrigo Tacla Duran prestou depoimento como testemunha na 13ª Vara Federal de Curitiba, num processo envolvendo o ex-vice-presidente do Equador Jorge Glass.
Tacla Duran relatou uma série de constrangimentos praticados por procuradores da Operação Lava Jato em Curitiba, para supostamente forçar delações.
Na ocasião, o advogado também detalhou pagamentos, que segundo ele, destinavam-se a uma taxa de proteção, em um esquema montado entre procuradores e alguns advogados próximos da Força Tarefa, para que possíveis alvos não fossem investigados.
Na audiência, Tacla Duran informou que Figueiredo Basto possuiria uma sociedade offshore de fachada, a Big Pluto Universal, com uma conta no Banco Vantobel na Suíça.
Segundo seu relato, foram enviados dessa conta 750 mil dólares para a conta da Ultra Sky Corporation, no Banco Hang Seng, em Hong Kong, e de titularidade do chinês Wu Yu Sheng, acusado pelo MPF de ser o responsável por recolher dinheiro vivo na rua 25 de Março, em São Paulo.
Antônio Augusto Figueiredo Basto rechaçou o relato de Tacla Duran. “Ele ouviu dizer da boca de uma pessoa que já morreu? Não sei quem é o tal Sheng, a existência dele fiquei sabendo agora”, disse. “Cada dia ele traz uma mentira nova. Desafio ele a provar. Minha conta está declarada no Banco Central e Receita Federal. Meus sigilos estão disposição, como sempre fiz e farei. Não temo qualquer investigação”, insistiu.
Em 18 de setembro de 2020, Antônio Augusto Figueiredo Basto e seu sócio Luis Gustavo Rodrigues Flores foram denunciados pelo MPF, justamente por não haverem declarado a conta na suíça em nome da offshore.
A mesma denúncia demonstrou que de fato a Ultra Sky Corporation, de Wu Yu Sheng, recebeu três transferências de Figueiredo Basto. Segundo o documento oficial obtido pelo UOL, a acusação aponta:
- 400 mil dólares em 20/05/2016
- 230 mil dólares em 07/06/2016
- 120 mil dólares em 17/06/2016
Naquele momento, o MPF pediu a quebra do sigilo bancário de Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto e Luis Gustavo Rodrigues Flores, “bem como a autorização judicial para Cooperação Jurídica Internacional junto à Suíça, para que se tenha acesso a todos os extratos das contas do Banco Vontobel, em Zurique, em nome da empresa offshore Big Pluto Universal, bem como as contas pessoais de Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto e Luis Gustavo Rodrigues Flores”.
O MPF ainda pediu que, uma vez confirmadas as imputações, “a condenação dos denunciados, determinando-se o valor de confisco e cumulativamente, um valor mínimo correspondente ao dobro dos valores lavados por cada um dos denunciados, para reparação dos danos morais e materiais causados pela infração”.
*Uol