Até 24 anos atrás, a revista Time escolhia O Homem do Ano. Apenas 24 anos atrás. A pessoa que se destacasse em qualquer área, inclusive os déspotas, ganhava o título. Um homem.
Em 1952, a Rainha Elizabeth foi A Mulher do Ano num tempo em que a escolha de figuras femininas era um espanto.
Até que em 1999 trocaram para A Pessoa do Ano. Só em 1999. Trocaram porque alguns reclamavam, as feministas faziam protestos, mas na média geral havia resignação.
A mais poderosa revista do mundo escolhia o homem do ano e pronto. Os homens mandavam no mundo, sem muita contestação. De vez em quando, era feita concessão a uma mulher.
Em quatro anos, de 1999 até aqui, foram eleitas mulheres apenas quatro vezes. Nas outras vezes, o escolhido foi, claro, um homem. Poucas vezes uma entidade.
Em 1987, o ano em que Cuca e outros três jogadores do Grêmio foram acusados de estupro contra uma menina de 13 anos, na Suíça, o escolhido foi o líder soviético Mikhail Gorbachev.
Em 2017, apareceram na capa da Time, como pessoas do ano, Isabel Pascual, Adama Iwu, Ashley Judd, Susan Fowler e Taylor Swift. A mais conhecida é Taylor Swift.
A Time escolhia naquele ano o movimento Mee Too (Eu Também) e exibia mulheres que ajudaram a romper o silêncio contra agressores sexuais.
E assim o mundo foi andando, às vezes mais para trás do que para a frente, sem que a mudança no título do prêmio da Time e sem que outras iniciativas significassem muita coisa para muita gente.
Mulheres continuam sendo agredidas e violentadas, principalmente em áreas invisíveis das periferias, porque elas, pobres e negras, são invisíveis.
E os brasileiros vão se espantando com o que se dizia na época do caso de Berna, quando as manifestações eram geralmente de defesa dos jogadores.
Mas é preciso lembrar, para que a malhação dos comentaristas do jornalismo de 1987 não seja tão implacável, que referências éticas e morais, inclusive as que passam também pela abordagem de gênero, não são imutáveis.
O que hoje é imoral ou inadequado ou condenável não era até pouco tempo atrás.
Os comentaristas de futebol que isentaram os jogadores de culpa nos anos 80 reproduziam o que a média pensava naquele tempo, e não só eles.
E talvez reproduzissem hoje, se suas falas e seus textos fossem republicados, o que pelo menos um terço da população, alinhada fielmente ao bolsonarismo, também pensa. Inclusive algumas mulheres, ou muitas mulheres.
Então, menos ataques aos que cometeram o erro de terem sido condescendentes com os abusadores de Berna.
E mais atenção aos agressores do século 21. Não sejamos valentes para condenar apenas os que passavam pano para os atletas do Grêmio 37 anos atrás.
Sejamos corajosos para expor e enfrentar predadores morais e sexuais do nosso tempo.
Alguns poderosos, como o milionário Thiago Brennand, que foi trazido de Abu Dhabi e está finalmente preso no Brasil.
O sujeito é agressor contumaz, com inquéritos e processos que nunca andavam.
Era protegido ou pelo menos tratado com leniência por setores da polícia, do Ministério Público e do Judiciário, até ser denunciado por uma moça agredida numa academia.
Por isso não se escandalizem tanto com os silêncios e as conivências em torno do caso de Cuca, que aconteceu em 1987.
Escandalizem-se também com o caso do ricaço Brennand, que era acobertado pelo sistema de Justiça e que só foi exposto e preso porque saiu no Fantástico.
*Blog do Moisés Mendes