Corpos achados no Equador podem ser de crianças sequestradas por militares

Corpos achados no Equador podem ser de crianças sequestradas por militares

Compartilhe

 

Os corpos “incinerados” recém-encontrados na base aérea de Taura podem ser dos quatro meninos equatorianos que passaram pela padaria após o jogo de futebol no sul de Guayaquil, em 8 de dezembro, para nunca mais voltar, avalia a advogada Angélica Porras, da Ação Jurídica Popular, entidade que defende os direitos constitucionais da população, em entrevista exclusiva.

O desaparecimento forçado dos “Quatro de Guayaquil”, como estão sendo chamados os irmãos Josué (14 anos) e Ismael Arroyo (15), Nehemias Arboleda (15) e Steve Gerald (de apenas 11), da comunidade pobre de Malvinas, está fazendo o país se levantar contra a catastrófica situação de insegurança e terror imposta pelo governo de Daniel Noboa.

Com eleições marcadas para o próximo dia 9 de fevereiro, o magnata busca a reeleição fazendo uso da censura à oposição e abuso de acordos políticos, financeiros e midiáticos com os Estados Unidos. Nas “negociações”, vale tudo: da entrega do estratégico arquipélago de Galápagos, para ser convertido em base militar dos EUA, à privatização de empresas estratégicas – elétrica e petrolífera – ou acordos de “segurança” que permitem a penetração de tropas e instrutores estadunidenses, numa clara agressão à soberania nacional.

O resultado se vê claramente nos assassinatos e desaparições por membros das Forças Armadas, em conluio com as milícias e gangues de narcotraficantes, que ganham terreno e poder.

Filho revela espancamento

No caso dos Quatro, após não terem voltado para casa, um dos filhos conseguiu falar com o pai, Luis Arroyo. Suas últimas palavras dão a dimensão do horror vivido: “Os militares nos pegaram, espancaram, estão nos acusando de roubo e nos prenderam. Por favor, venha me salvar”.

Para a advogada Angélica Porras, “a situação das famílias dos quatro meninos que tiveram sua desaparição forçada está ficando cada dia mais pesada”. Apesar da dor, apontou, “o ocorrido abriu a porta para que outras pessoas que também tenham entes desaparecidos pelos militares tornem públicos os seus dramas”. Desde então, já apareceram pelo menos outras nove denúncias com nome e sobrenome. “Todos nas mesmas circunstâncias: pessoas empobrecidas, marginalizadas, a quem os militares levaram e nunca mais se soube delas”.

Sobre a identificação dos corpos encontrados recentemente há pontos a esclarecer, disse Angélica. A primeira é que foi conseguido um habeas corpus, reconhecendo a “desaparição forçada” de pessoas vítimas de violência. “Há esta leitura por parte de uma autoridade judicial, um juiz constitucional. Ao mesmo tempo não há nenhum indício de que os jovens estivessem fazendo qualquer coisa que afrontasse a lei. Os meninos foram levados a um local que não é de detenção, como a Base Aérea de Taura, uma zona militar, pertencente à Força Aérea do Equador. Além disso, a partir daí, nunca mais se soube de seu destino”.

De acordo com a advogada da Ação Jurídica Popular, “inicialmente foram achados corpos num rio e dito que não correspondiam aos jovens. Logo depois foram encontrados vários cadáveres na Base Aérea de Taura, a mesma onde foram levados os meninos”. Os pais foram chamados nesta quarta-feira (25) para que pudessem ser identificados, mas não houve jeito, uma vez que estavam totalmente carbonizados. “O que restou foi fazer as provas de DNA”.

Famílias enfrentam pressão

São as organizações de direitos humanos de Guayaquil quem efetivamente tem se responsabilizado pela defesa da justiça, “porque se não existissem, se as famílias não contassem com a sua colaboração, haveria sido impossível que o crime viesse a ser conhecido”, explicou a advogada. “Os pais dos jovens, de três famílias diferentes, pertencem a um setor organizado da comunidade das Malvinas, o que lhes deu condições para denunciar e se manter fortes frente à pressão dos governos e dos militares”, acrescentou.

Conforme Angélica, “há uma campanha terrível de desinformação, orquestrada desde o governo, porque o próprio ministro de Defesa disse que esta operação tinha sido uma resposta aos jovens que haviam cometido um delito”. “Isso ficou comprovado que era mentira, já que não apareceu nada, nem uma única denúncia por parte de qualquer pessoa ou mesmo da polícia contra os meninos. É uma campanha que visa conter o desprestígio causado pela enorme injustiça cometida e pela impunidade”, assinalou.

A advogada frisou que há uma armação “conduzida desde as redes sociais por militares e ex-militares que gozavam de algum prestígio ao sair, dizendo ser este um caso isolado e que os jovens deveriam estar cumprindo algum delito”. O fato, enfatizou, é que “não estavam e, mesmo que estivessem fazendo algo errado, a lei equatoriana e a Convenção das Pessoas Frente às Desaparições Forçadas estabelecem quais os mecanismos e regras de punição, ainda mais para menores de idade”. “Jamais poderiam ter sido levados a uma base militar, teriam que ficar à disposição da polícia especializada e do juizado de menores. Mas nada disso ocorreu, por isso se trata de uma desaparição forçada”, asseverou.

Mídia agiu para acobertar

Com base no que viu e ouviu, a advogada sustenta que “os grandes meios de comunicação do Equador realizaram uma cobertura bastante medíocre”. “Caso não tivesse ocorrido a denúncia em redes e toda a mobilização social que ocorreu, tanto em Guayaquil como Quito, tudo teria passado desapercebido”, ponderou.

Angélica esclareceu que “a desaparição foi em 8 de dezembro e o pai de família de Josué e Ismael fez a denúncia no mesmo dia”. “Mas tudo isso permaneceu ocultíssimo durante 13 dias. Isso só começou a se tornar problema para o governo quando é encontrado um vídeo que mostra militares, armados até os dentes, agarrando um menino e jogando na parte de trás da camionete, onde um soldado coloca o joelho no peito da criança. Ali há outro menino com short e camiseta em meio a todos aqueles militares com armas gigantes, numa desproporção absoluta”, condenou.

“À medida em que vem à tona estas imagens e o pai destes meninos permite ver fragmentos dos vídeos que mostram duas patrulhas com oito militares cada uma chegando para privar a liberdade, arbitrariamente, dos quatro pequenos se faz uma denúncia nas redes sociais. É só aí, após duas semanas de desaparecimento, que isso se converte em problema nacional, fazendo com que haja um pronunciamento das Forças Armadas. Porque antes apenas se conseguiu um pronunciamento do ministro da Defesa, do ministro do Interior e do comandante das Forças Armadas, que disseram não ter nada que ver, que o ocorrido era fruto de milícias e coisas do estilo”.

Frente ao impacto das imagens que estampavam sem sombra de dúvidas o que os militares haviam tentado esconder, “no dia seguinte o presidente da República disse que iria sugerir que os meninos fossem transformados em heróis nacionais”. “É óbvio que isso indignou as pessoas porque passava a mensagem de que os quatro já estavam mortos. Então não restou mais aos meios de comunicação que saíssem a falar, entregando uma notícia a mais, muito tarde, tentando claramente jogar terra sobre este e outros escândalos. Eu diria que a grande mídia agiu para encobrir, agindo como um meio de desinformação em um contexto super autoritário em que temos um ditador no governo”, concluiu Angélica.

Compartilhe

%d blogueiros gostam disto: