Investigação da PF aponta falhas graves na ação da Secretaria de Segurança do DF no 8/1

Investigação da PF aponta falhas graves na ação da Secretaria de Segurança do DF no 8/1

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ICL Notícias teve acesso exclusivo ao relatório de 234 páginas que foi entregue à Procuradoria-Geral da República

A Polícia Federal concluiu as investigações a respeito da atuação da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal na tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023. O ICL Notícias teve acesso exclusivo ao relatório de 234 páginas que já foi entregue à Procuradoria-Geral da República. Cabe à PGR decidir se deve ou não indiciar novos implicados, mas o relatório aponta falhas graves nos planos dos agentes de segurança.

A coronel Cintia Queiroz de Castro, Subsecretária de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública, nunca foi alvo de mandado de busca e apreensão, apesar de ter sido indiciada no relatório final da CPI da Câmara Lesgislativa do Distrito Federal. Ela foi a responsável pela elaboração do Protocolo de Ações Integradas, o chamado PAI. O documento orientou o planejamento e a ação de todos os agentes envolvidos com a segurança do DF no dia 8 de janeiro: Polícia Militar, Polícia Civil, Bombeiros, Polícia Legislativa e Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Para a posse

do presidente Lula, todos esses agentes fizeram parte das reuniões para a elaboração do PAI. O documento agora é peça chave nas investigações. Uma reunião na Secretaria de Segurança Pública, no dia 6 de janeiro, serviu de base para a confecção do PAI do dia 8, mas a PM e o GSI não participaram do encontro.

Nos depoimentos que prestou à CPI do DF e à Polícia Federal, a coronel Cintia afirmou que depois de elaborar o PAI ela não tinha mais responsabilidade alguma sobre os acontecimentos e atribuiu ao Departamento Operacional da PM a responsabilidade pelas falhas na segurança que permitiram a invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Naquela semana, o coronel Paulo José Bezerra estava chefiando o Comando de Operações da PM interinamente.

A CPI do DF concluiu que a conduta de Cintia e de Fernando de Souza Oliveira, então secretário Executivo, que cobria as férias de Anderson Torres à frente da Secretaria de Segurança Pública, gerou “sérias preocupações ao ignorar completamente informações relevantes contidas no Relatório de Inteligência número 6”. Por isso, a CPI recomendou o indiciamento dos dois.

PF aponta contradições na Secretaria de Segurança
O relatório da PF não recomenda o indiciamento de ninguém, mas relata os fatos e algumas contradições. Por exemplo: em depoimento, a coronel Cintia foi questionada sobre o fato de não ter chamado um representante do GSI para participar da reunião do dia 6 de janeiro para elaboração do PAI. Ela disse que pediu ao subordinado, tenente-coronel Rosivan Correia de Souza, para fazer o convite pelo telefone, mas Rosivan disse à PF que não se lembra de ter dado esse telefonema.

Procurada pelo ICL Notícias, a coronel Cintia não quis se pronunciar sobre o relatório da PF. O documento destaca os alertas produzidos pelo setor de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Eles falavam no deslocamento de caravanas de vários estados em direção à Brasília e na organização de uma manifestação chamada de “Tomada de Poder pelo Povo”, entre os dias 6 e 8 de janeiro.

A delegada Marília Alencar era a secretária de Inteligência responsável pelos alertas e foi exonerada do cargo logo após o 8 de janeiro. Ela fazia parte do grupo de profissionais que Anderson Torres levou do Ministério da Justiça para a Secretaria de Segurança do DF. O principal documento produzido pela delegada Marília, o relatório 6, não foi repassado aos outros órgãos responsáveis pela segurança na Esplanada e na Praça dos Três Poderes.

Em depoimento à PF, Claudia Souza Fernandes disse que o relatório de inteligência ficou pronto e tinha as informações preocupantes de que entre os manifestantes havia gente armada e com a intenção de promover atos violentos. Na página 142 do relatório da PF, ela conta que o coronel Jorge Henrique, superior imediato de Claudia, leu o relatório e determinou que ele fosse difundido apenas para o gabinete do secretário de Segurança Pública e para a Subsecretária de Ações Integradas, a coronel Cintia. O relatório da PF destaca que esse tipo de documento deveria ser difundido para todos os órgãos que trabalham com a segurança no DF, incluindo a Polícia Militar, os Bombeiros e as polícias do Congresso, do STF e o GSI. Mas não foi. Esses outros órgãos não sabiam da gravidade potencial da manifestação do dia 8.

A PF conclui que “a ausência de articulação e de difusão de dados comprometeu a capacidade de antecipar e enfrentar os atos de violência, revelando um despreparo que não pôde conter a escalada dos eventos ocorridos no 08 de janeiro de 2023”. Em depoimento, a coronel Cintia diz que não leu esse relatório porque ele foi entregue no fim da tarde do dia 6 de janeiro, quando não estava mais na Secretaria. No dia seguinte, ela voltou ao trabalho, mas não teria passado na sala em que trabalha.

A coronel foi à Secretaria de Segurança no dia 7 para uma reunião com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e com o interino da Secretaria, Fernando de Sousa Oliveira. Segundo ofício da PF sobre a reunião, houve uma divergência de opiniões. Andrei estava preocupado com a possibilidade de ocorrerem atos violentos no dia seguinte. Mas Fernando acreditava que a manifestação tinha cunho pacífico. Nesta reunião. Cintia também teria informado que a Secretaria já havia acionado um plano de contenção para impedir a entrada de ônibus e caminhões na Praça dos Três Poderes, o que realmente aconteceu. Mas os manifestantes puderam descer a Esplanada a pé.

O relatório da PF também mostra a existência de um grupo de WhatsApp, chamado “Perímetro”, no qual se discutiu o deslocamento para Brasília de Quésia Nayara de Souza, conhecida como radical de extrema direita, que fazia postagens nas redes sociais pedindo a morte do Presidente Lula. Faziam parte deste grupo de WhatsApp o coronel Fábio Augusto Vieira, na época comandante geral da PM, o coronel Marcelo Casimiro, o subcomandante Emílio Castelar e o major Flávio Alencar, além da coronel Cintia. Mas o GSI, a ABIN e o comando de operações da PM não foram incluídos.

Sete oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal foram presos preventivamente no ano passado, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Paulo José ocupava, interinamente, o comando do departamento de operações da PM e durante a CPI do DF acusou o coronel da PM Marcelo Casimiro de ter mentido aos deputados distritais. Casimiro acusou Paulo José de ter dado a ordem para abrir a Esplanada dos Ministérios aos manifestantes.

“O Coronel Casimiro mentiu aqui. Eu nunca dei a ordem ao Casimiro para abrir a Esplanada, eu nem participei das reuniões. Ele mentiu aqui na CPI e me coloco à disposição para fazer acareação na frente dele. O coronel Casimiro merece o troféu Pinóquio de cara de pau do ano”, afirmou Paulo José. Durante a audiência de instrução do STF, a coronel Cintia afirmou que estava ao lado do comandante Fábio Augusto Vieira enquanto ele telefonava para o coronel Paulo José pedindo mais policiamento na Esplanada e que ele não enviava o efetivo. Ela afirmou que ouviu a conversa. Mas o telefone de Paulo José foi apreendido pela PF e nele não apareceu, até o momento, chamada alguma entre Paulo José e Fábio Augusto no dia 8 de janeiro de 2023.

Esse é um ponto importante que ainda não foi esclarecido: quem deu a ordem para que os manifestantes descessem a Esplanada dos Ministérios rumo à Praça dos Três Poderes. O que eles fizeram ao chegar lá, o Brasil e o mundo já sabem. Mas resta determinar quem permitiu esse deslocamento.

*Heloisa Villela/ICL

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