Famílias de agricultores são forçadas a sair, enquanto o agronegócio avança; 19 povoados já desapareceram
Durante as tardes, um grupo de macacos aparece nos galhos mais altos das mangueiras ao redor da casa onde vivem os agricultores José Aldenor da Silva Pedroso e Expedita de Souza Lima, na comunidade rural de Chaves, em Mojuí dos Campos, região oeste do Pará, a cerca de 30 quilômetros de Santarém (PA).
“Quase todo dia eles estão lá. Acostumaram com a gente”, conta o agricultor. Ele acredita que os animais chegam até ali em busca de comida. “Ainda bem que tem esse mato aqui que serve pra eles andar, caçar alguma fruta, né?”.
Vista do alto, a propriedade da família é uma ilha verde em meio ao deserto da monocultura. Com 38 hectares, o lugar guarda três nascentes de igarapés, cercadas pela mata preservada. Diante da casa, um estradão de terra delimita fronteiras. De um lado, a agricultura familiar. Do outro, estende-se a perder de vista o terreno arado, onde a soja é intercalada com o cultivo do milho, a depender da época do ano. Ali, da floresta, restaram pequenos trechos.
“Na época que morava umas 70 famílias aqui, a gente vinha meio-dia, uma hora da tarde, pegava um saco de produto, botava nas costas, vinha de lá para cá, por debaixo do mato”, lembra Pedroso.
Com o avanço das lavouras de grãos na região do Planalto Santareno, entre os municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, as áreas verdes foram perdendo espaço. “Agora, dá meio-dia, você não aguenta, não. É perigoso, porque não tem uma sombra, não tem nada”, lamenta o agricultor.
Os municípios ficam no entorno da BR 163, rodovia utilizada para o escoamento da soja colhida no Mato Grosso, estado que lidera a produção nacional do grão. Em Santarém, em 2003, a empresa Cargill instalou um porto de abastecimento de navios cargueiros.
Dali, a soja segue pelo rio Tapajós até o Amazonas e, depois, para os países compradores. A instalação do porto desencadeia a expansão da monocultura no entorno na BR 163. Depois da Cargill, outras empresas do agronegócio instalaram portos e obras de infraestrutura voltada para a exportação de grãos.
De acordo com o relatório A soja no corredor logístico norte, publicado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o problema pode ficar ainda mais grave com a construção da Ferrogrão, ferrovia que irá conectar Sinop (MT) a ao distrito de Miritituba, no município de Itaituba (PA). “Se construída, a estrada de ferro vai atravessar uma região altamente sociobiodiversa, o que trará afetação a pelo menos 17 Unidades de Conservação (UC) de diversas categorias, além de pelo menos seis Terras Indígenas dos povos Kayapó e Panará”, alerta o estudo.