Um ano de Milei significou lucro para poucos e perdas e pobreza para maioria argentina

Um ano de Milei significou lucro para poucos e perdas e pobreza para maioria argentina

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Desde que assumiu a presidência, Javier Milei implementou uma agenda econômica controversa que provoca debates acalorados sobre seus resultados e impactos. Políticas que apontam avanços em indicadores financeiros, mas geraram um aprofundamento significativo das desigualdades sociais no país. A gestão é marcada por cortes drásticos nos gastos públicos, desregulamentação de mercados e uma tentativa de estabilização inflacionária que penaliza as camadas mais vulneráveis da população.

Especialistas divergem ao avaliar o que muitos chamam de “sucessos” do governo libertário, contrapostos a um elevado custo social. Apesar da recessão e do avanço da pobreza, o final deste primeiro ano de governo é celebrado pelo mercado financeiro, que tem lucrado como nunca com a “liberalidade” de Milei.

Estabilização cambial e queda da inflação

O economista argentino Eduardo Crespo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta que a estabilização cambial e a consequente desaceleração inflacionária têm sido uma conquista da gestão austera e recessiva de Milei. Uma das estratégias adotadas foi uma polêmica “lavagem de capitais”, que injetou dólares na economia e convergiu as diversas taxas de câmbio do país.

Ter “segurado da taxa de câmbio” e a entrada significativa de dólares através de medidas como a anistia de capitais foram centrais para a queda da inflação e a redução do risco-país. “Houve uma lavagem de capitais que deu muito certo, e isso gerou um alívio no mercado financeiro”, explica Crespo.

Segundo Crespo, essa medida trouxe alívio financeiro imediato, embora tenha gerado um desequilíbrio estrutural: “A Argentina ficou cara, o dólar está barato, e isso pode impactar negativamente o turismo e as contas externas no próximo ano”. O aumento nos preços de alimentos, combustíveis e medicamentos é um dos reflexos mais visíveis das políticas regressivas. A tarifa de energia elétrica subiu 758%, enquanto o consumo caiu em 11%. Remédios essenciais registraram altas de até 340%, prejudicando especialmente aposentados e doentes crônicos.

Além disso, a inflação mensal, que ultrapassava 25% em 2023, caiu para menos de 3% em 2024. Contudo, essa redução foi acompanhada de uma contrapartida significativa: perda do poder aquisitivo da população e aumento da pobreza.

Ajuste fiscal e impacto social

Julio Gambina, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e membro do Conselho de Administração da Sociedade Latino-Americana de Economia Política (SEPLA), classifica o “sucesso” do governo Milei como “a conquista da motosserra e do liquidificador”. Em artigo ao Página12, ele destaca que o governo é marcado por muita motosserra e pouco investimento.

Uma política marcada por um congelamento orçamentário que impacta áreas essenciais como saúde e educação. “Mais de 40 mil trabalhadores públicos foram demitidos, enquanto outros 160 mil postos de trabalho desapareceram no setor privado. Isso gerou uma deterioração profunda no consumo popular e na qualidade de vida”, detalha Gambina.

Os cortes brutais no gasto público, incluiram:

  • Redução do número de ministérios de 18 para 9;
  • Demissão de cerca de 200 mil trabalhadores, somando os setores público e privado;
  • Congelamento orçamentário para 2024 e redução de subsídios em transporte e energia;
  • Vetos a aumentos para aposentados.

Ao mesmo tempo, o orçamento para 2024 manteve os mesmos patamares de 2023, priorizando investimentos em setores específicos como energia e minério, enquanto negligencia direitos sociais básicos. O congelamento de obras públicas e cortes em transferências para as províncias aprofundaram desigualdades regionais.

Essas políticas resultaram em um aumento da pobreza monetária para 52,9% da população, agravada para mais de 60% entre menores de idade, além de uma queda do PIB entre -3,5% e -4% em 2024. O desemprego também cresceu significativamente, impulsionado pelo fechamento de 16.500 pequenas e médias empresas e uma contração de 12,4% na indústria. Uma recessão que assusta até mesmo o período da pandemia de covid-19.

Benefícios para grandes corporações

Enquanto a população enfrenta dificuldades, grandes setores empresariais acumulam lucros recordes. O setor energético e o complexo agroexportador destacam-se entre os maiores beneficiários:

  • A YPF e a Tecpetrol aumentaram seus lucros em 3.000% e 780%, respectivamente, devido à desregulamentação do setor e à desvalorização cambial.
  • O laboratório Richmond registrou um aumento de 1.325% no lucro líquido no primeiro semestre de 2024, impulsionado pela alta nos preços de medicamentos.
  • Empresas alimentícias, como a Arcor, aumentaram suas margens de lucro em 624%, mesmo com a queda no consumo.

Em contraste, o salário mínimo foi reajustado em apenas 105%, frente a uma inflação acumulada estimada em 120% para 2024.

Desafios futuros

Embora a estabilização cambial e a desaceleração inflacionária sejam celebradas, os desafios estruturais da economia argentina permanecem. A dolarização, uma das principais promessas de campanha de Milei, foi deixada de lado, assim como o fechamento do Banco Central.

Especialistas alertam que o foco excessivo em cortes e ajustes pode comprometer a retomada econômica. Investimentos em infraestrutura e setores produtivos serão cruciais para a geração de renda e emprego. Enquanto isso, a redução da inflação não parece ser suficiente para aliviar as dificuldades enfrentadas pela maioria da população.

O modelo econômico libertário, baseado em cortes, desregulamentação e inserção no mercado global, gera lucros para poucos à custa de grande sofrimento social. Apesar de previsões otimistas de crescimento de 5% no PIB para 2025, a questão central é se esses ganhos serão distribuídos ou se continuarão concentrados nas mãos de poucos. Para a maioria dos argentinos, 2024 foi um ano de perdas: queda na renda, desemprego e aumento da pobreza.

Como alerta Gambina: “É urgente construir uma nova ordem social, sem exploração ou pilhagem, que coloque o bem-estar coletivo acima da lógica monetária”.

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