A Guerra Civil Síria, que se arrasta desde a Primavera Árabe há 13 anos e que já havia reduzido sua intensidade recentemente voltou a ser um foco de atenção internacional neste mês de dezembro de 2024. Uma nova coalizão rebelde (que recebe forte apoio dos EUA e de outros países interessados na queda do regime em Damasco) lançou uma ofensiva surpresa que resultou na captura de Aleppo, a segunda maior cidade da Síria e um importante centro financeiro e industrial do país árabe. Este ataque marca a primeira vez que os rebeldes conseguem retomar territórios em Aleppo desde 2016, rompendo um impasse que parecia ter se estabelecido no conflito.
Muito antes dos horrores do genocídio em Gaza, a Guerra Civil Síria chocou o Mundo e marcou a década de 2010 pela sua forte violência associada de múltiplos de grupos armados com agendas variadas, incluindo forças do governo sírio, milícias apoiadas por Irã e Rússia, facções rebeldes como o Hayat Tahrir al-Sham (vinculado à Al-Qaeda) e o famigerado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS). Essa complexidade resultou em uma guerra por procuração, onde potências estrangeiras (EUA, Rússia, China e União Europeia) têm interesses diretos. Não à toa, alguns consideraram a Guerra Civil Síria como uma “Guerra Mundial em miniatura”, ou seja, um conflito mundial disputado dentro do território sírio. A situação de “Guerra Mundial” por procuração só foi superada posteriormente com a escalada da Guerra da Ucrânia em 2022.
A mais nova ofensiva começou no final de novembro de 2024 e rapidamente se espalhou, levando à tomada de outras cidades estratégicas como Hama e Homs. Os rebeldes estão aproveitando um momento de fraqueza do regime de Bashar al-Assad, cujos principais aliados, como Rússia e Irã, estão distraídos com outros conflitos regionais e internacionais. Entretanto, esta não parece ser a explicação definitiva.
Muitos analistas enxergam a retomada das hostilidades e os riscos reais do fim do governo do Partido Baath na Síria como um epifenômeno de negociações de bastidores envolvendo a equipe de governo de Donald Trump (que nem ao menos assumiu a presidênica dos EUA ainda) e o governo de Vladimir Putin. Conforme noticiado há meses, Donald Trump tem interesses em acabar com a Guerra da Ucrânia reconhecendo a derrota de Kiev junto com a entrega dos territórios do Donbass à Rússia e proibição definitiva do ingresso da Ucrânia na OTAN.
O acordo seria, talvez, condicionar o fim da pressão estadunidense na Ucrânia à entrega de Damasco aos interesses ocidentais, fato este perseguido pela OTAN desde a eclosão da Primavera Árabe em 2011. Se confirmado, este cenário configura um grave erro no xadrez geopolítico por parte de Moscou. O que Putin ganharia na Ucrânia, perderia na mesma proporção ou até mais com a queda de Damasco.
Perder a Síria para o Ocidente seria muito pior do que a continuidade da Guerra da Ucrânia porque finalmente, o tão desejado sonho dos EUA e União Europeia será alcançado com novos contratos tubulares de gás natural interligando o Qatar no Golfo Pérsico ao sul da Europa via Síria. Esta jogada criaria a tão desejada concorrência da Nabucco Pipeline (EUA) com a rede Nordstream da Rússia, barateando o custo do gás natural e enfraquecendo o poder ascendente de Moscou sobre Europa Ocidental. O desenvolvimento dos fatos se dá em uma velocidade incrível e não é possível traçar maiores conclusões. As suspeitas de traição de Putin a Damasco seguem a todo vapor nas redes sociais. O que será de Damasco após 13 anos de uma das Guerras mais violentas da História humana?