“Diante dos gravíssimos fatos que vieram à tona, precisamos considerar a refundação da República brasileira, em bases democráticas e populares”, diz Folena
Existe na América Latina uma infeliz tradição, que consiste na colaboração direta ou indireta de suas forças militares em golpes de Estado e participação ativa em regimes antidemocráticos. Assim vimos em 2019 na Bolívia, quando os militares se omitiram de assegurar o regime constitucional e abriram caminho para o afastamento do presidente legitimamente eleito, antes do término do seu mandato.
Observamos também, em abril de 2018, quando o Comandante do Exército Brasileiro, à época o General Eduardo Villas Boas, em sua conta no antigo Twitter, ameaçou o Supremo Tribunal Federal, caso concedesse ordem de habeas corpus em favor de Luís Inácio Lula da Silva, que então perdeu o direito de participar da eleição presidencial daquele ano, cujo vencedor foi o ex-presidente, ora indiciado criminalmente, representante da extrema direita fascista, cujo governo foi apoiado pelos militares.
Para camuflar o perfil autoritário e antidemocrático decorrente de sua formação na caserna, os militares costumam vestir a capa de “defensores do interesse nacional” para justificar violações à ordem democrática e constitucional, que são jogadas “às favas” por diversas vezes, sem quaisquer “escrúpulos de consciência”, como ocorreu na reunião que decidiu pela implantação do Ato Institucional número 05 (AI-5, de 13/12/1968).
Mas o “interesse nacional” que eles dizem defender se revela mera retórica, pois interesses estrangeiros têm prevalecido em diversas oportunidades, como em 2019, na entrega da Base Aeroespacial de Alcântara, no Maranhão, para utilização pelos Estados Unidos da América do Norte. O falso argumento do “interesse nacional” serviu para justificar a implantação da ditadura militar de 1964-1985 contra o fantasma da “ação comunista internacional”.
Além disso, os militares participaram do golpe do impeachment de 2016 contra a Presidenta Dilma Rousseff, cujos efeitos sobre a democracia brasileira são percebidos até hoje, na medida em que a narrativa construída para justificar o afastamento ilegítimo resultou na derrocada dos partidos liberais fundadores da Nova República (integrantes da conspiração golpista) e, principalmente, na ascensão do fascismo no Brasil, durante o governo do ex-presidente (2019-2022), em que os militares ocuparam milhares de cargos.
No Brasil, durante o período republicano iniciado em 1889, os militares têm sido agentes atuantes na política, assumindo diretamente o poder no final do regime monárquico (1822-1889) e participando e colaborando na derrubada de governos civis, como ocorreu em 1930 (Washington Luís), em 1945 (Getúlio Vargas), em 1964 (João Goulart) e em 2016 (Dilma Rousseff).
Há diversos registros de atuação das forças militares brasileiras em combate direto contra a população civil pobre, como nos massacres da “guerra de Canudos” (1896-1897), na “guerra do Contestado” (1912-1916), no “caldeirão do Santa Cruz do Deserto” (1937) e na ditadura de 1964-1985, quando civis foram presos, torturados, desaparecidos e mortos.
As investigações sobre a trama golpista, a partir dos atos de 8 de janeiro de 2023, com início na CPMI do Congresso Nacional e prosseguimento com a Polícia Federal, têm revelado que muitas das ações delituosas passaram por homens ligados às Forças Armadas brasileiras, da ativa e da reserva (25 dos 37 indiciados pela Polícia Federal).
Muito além da busca pelos responsáveis e de sua punição jurídica, que virá, assim esperamos, por imperiosa necessidade republicana e democrática, entendo que é preciso rememorar o projeto político colocado em prática pelos militares, ainda durante a “Nova República”, pois sempre sonharam retornar ao governo, depois da ditadura de 1964-1985.
Mesmo superados politicamente ao fim da ditadura, os militares, que jamais aderiram de fato à Nova República, conseguiram impor à constituinte a manutenção da tutela militar (o seu “poder moderador”), representada pela Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prevista no 142 da Constituição, recentemente empregada durante o G-20, no Rio de Janeiro.
Vale lembrar que a Nova República não afastou nem puniu de forma exemplar os criminosos de 1964-1985; além de permitir a vigência da Lei de Anistia de 1979, em desacordo com os princípios da Constituição de 1988.
A sociedade brasileira jamais debateu uma Lei da memória histórica, nos moldes das “leis da Alemanha pós-1945, Grécia pós-ditadura dos Coronéis de 1967-1974, Portugal pós-Salazarismo, Argentina pós-Ditadura e sobretudo da Espanha, com sua Lei da Memória Histórica, de 2007, que levou à retirada, ainda que em 2019, do cadáver de Francisco Franco do Valle de los Caídos”, como aponta Chico Teixeira.
Mesmo superados politicamente ao fim da ditadura, os militares, que jamais aderiram de fato à Nova República, conseguiram impor à constituinte a manutenção da tutela militar (o seu “poder moderador”), representada pela Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prevista no 142 da Constituição, recentemente empregada durante o G-20, no Rio de Janeiro.
Vale lembrar que a Nova República não afastou nem puniu de forma exemplar os criminosos de 1964-1985; além de permitir a vigência da Lei de Anistia de 1979, em desacordo com os princípios da Constituição de 1988.
A sociedade brasileira jamais debateu uma Lei da memória histórica, nos moldes das “leis da Alemanha pós-1945, Grécia pós-ditadura dos Coronéis de 1967-1974, Portugal pós-Salazarismo, Argentina pós-Ditadura e sobretudo da Espanha, com sua Lei da Memória Histórica, de 2007, que levou à retirada, ainda que em 2019, do cadáver de Francisco Franco do Valle de los Caídos”, como aponta Chico Teixeira.