A recente disparada do dólar, que alcançou R$ 5,66 nesta terça-feira (2), tem gerado fortes repercussões no mercado financeiro e no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em resposta ao aumento da moeda americana, Lula fez críticas diretas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante uma entrevista à Rádio Sociedade, em Salvador. Segundo o presidente, a alta do dólar é reflexo de um “jogo de interesse especulativo contra o real”.
O economista Wellington Duarte, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), compartilha dessa visão e expõe suas críticas em entrevista ao Portal Vermelho sobre a gestão da política cambial pelo Banco Central. Segundo Duarte, o aumento do dólar tem um caráter especulativo e beneficia principalmente investidores e exportadores que possuem ativos em moeda estrangeira. “Essa valorização cambial tem um sentido especulativo e favorece aqueles capitalistas que exportam. Para mim, é uma questão de luta de classes”, afirma o economista.
A perspectiva apontada pelo economista alinha-se com a explicação do ministro do Trabalho e Emprego, Luis Marinho, que nesta quarta-feira (30) anunciou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) sobre o emprego formal no país. Para o ministro, a alta taxa básica de juros controlada pelo Banco Central, atualmente em 10,75%, é um entrave ao crescimento econômico e à criação de empregos. Ele destacou que o impacto dos juros elevados inibe investimentos no setor produtivo e sobrecarrega as contas públicas, além de afetar o orçamento das famílias.
Duarte também critica o Banco Central por sua postura passiva diante da alta da moeda americana, atribuindo essa inércia ao fato de a instituição ser independente. Para ele, o Banco Central “não tem uma política proativa de combate às oscilações cambiais e flutua ao sabor dos interesses do mercado financeiro”. O economista vê o Banco Central como um “representante do mercado financeiro” dentro do governo, com foco em políticas que favorecem o setor exportador, mas que acabam prejudicando a economia nacional.
Forçar o governo à ortodoxia fiscal
Outro ponto levantado por Duarte é a recente decisão do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, de reduzir suas taxas de juros, que, segundo ele, não teria uma ligação direta com a alta do dólar no Brasil. “Eu não vejo nenhuma [ligação], a não ser que haja um movimento nos títulos em dólar. E até o presente momento eu não tenho visto isso”, disse o economista.
“É uma condição muito própria de um país que hoje vive com um Banco Central que não tem um papel de defensor dos interesses da nação. O Banco Central hoje, ele é um representante do mercado financeiro nas instâncias governamentais. Passou a ser isso e, nesse caso, do aumento do câmbio, o Banco Central lavou as mãos”, completa ele.
Para Duarte, a incerteza fiscal também é usada como justificativa para a pressão cambial, mas ele destaca que essa pressão é uma forma de exigir que o governo adote uma política fiscal ortodoxa. O sistema financeiro exige que o governo corte gastos e investimentos essenciais para garantir pagamento de serviços da dívida. Ao não fazer isso como esperado, o governo mantém práticas econômicas heterodoxas que desagradam o mercado. “Fica muito claro, quando você entra nas páginas dos sites de investimento, e se coloca essa questão da valorização cambial como uma resposta à incerteza fiscal”.
Em suas críticas, o economista relembrou o episódio recente em que Campos Neto, presidente do Banco Central, teria feito críticas ao governo brasileiro em um evento na Inglaterra. “Eu nunca tinha visto um presidente do Banco Central ir lá na Inglaterra e fazer a crítica a um governo do qual ele é presidente do Banco Central. É uma esculhambação esse país”, concluiu Duarte.
A situação evidencia a tensão entre o governo federal e o Banco Central, especialmente após a sua autonomia formal, que limita a influência direta do presidente da República sobre as ações da instituição. Neste contexto, a reunião do presidente Lula com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros integrantes do governo nesta quarta-feira (3) promete buscar alternativas para conter a valorização do dólar e mitigar seus impactos na economia, que, como pontuado por Duarte, afetam diversos setores e contribuem para o aumento da pressão sobre a política fiscal do governo.