As derrotas do 1º turno que a mídia corporativa fez de conta que não viu

As derrotas do 1º turno que a mídia corporativa fez de conta que não viu

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Ângela Carrato

Em todo o país, 52 municípios, sendo 15 capitais, voltarão às urnas daqui a duas semanas, para eleger, em segundo turno, seu prefeito ou prefeita.

Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre são alguns deles.

Se a campanha eleitoral em primeiro turno foi das mais rápidas e estranhas, nada indica que o segundo turno seja diferente. Ao contrário.

Nele deve predominar e até se ampliar alguns dos absurdos que marcaram essas disputas, a começar pela cobertura lamentável realizada pela mídia corporativa.

A esta cobertura se seguiu uma avaliação ainda mais distorcida sobre quem ganhou ou perdeu.

Nunca houve e não há relação direta entre os resultados de eleições municipais e eleições para presidente da República.

Mesmo esses pleitos guardando enormes diferenças e peculiaridades, a mídia corporativa vem batendo na tecla de que Lula e o PT foram os grandes derrotados.

Avaliações em que são acompanhados por setores da chamada “esquerda caviar”, aquela que se dá por satisfeita em criticar, sem entrar fundo na questão.

Vamos aos fatos.

Historicamente, três capitais do Sudeste – São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – são consideradas termômetro para avaliar o resultado do pleito no que se refere ao governo federal.

Até agora em uma delas o governo federal venceu e nas outras duas a disputa não está concluída.

Como então falar em derrota do governo Lula?

A reeleição, em primeiro turno, do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) com mais de 60% dos votos válidos significou a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro em seu principal reduto.

Paes venceu o candidato do PL, apoiado por Bolsonaro, Alexandre Ramagem, no berço do bolsonarismo e numa cidade até então dominada pelos templos neopentecostais e pelas milícias.

Tão ou mais significativo foi o fato de Paes, ao se referir à vitória, mencionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como “um grande parceiro”, frisando a importância desta parceria para o desenvolvimento da cidade, em especial no que diz respeito ao transporte e à educação, aspectos essenciais para a melhoria da vida dos cariocas.

Se a mídia corporativa não fosse tão tendenciosa, era para ter destacado este aspecto, quando se sabe que Paes apoiou Lula na eleição de 2022 e se prepara para fazer o mesmo nas eleições de 2026, quando, ele próprio, poderá disputar a eleição para governador e garantir para Lula o mais importante palanque no Rio de Janeiro.

Ao esconder o tamanho dessa vitória para o governo federal, a mídia corporativa deixa claro de que lado se mantém e está.

Em São Paulo, tão importante quanto o fato de que um candidato da extrema-direita, Ricardo Nunes (MDB) e um da esquerda, Guilherme Boulos (PSOL) estarem no segundo turno, é a guerra que se instalou na extrema-direita.

Esta guerra envolve um personagem novo, o picareta e extremista Pablo Marçal (PRTB). Ele se apresentou como coach, contra o sistema e, por pouco, não derrota o aparato da extrema-direita, representado pelo governador Tarcísio de Freitas (Podemos).

A mídia corporativa falou muito sobre o “fenômeno” Marçal, mas esteve longe de mostrar a divisão provocada (ou explicitada?) por ele na extrema-direita.

Depois deste primeiro turno, Bolsonaro sabe que não pode confiar em Tarcísio. Sabe que apoiar Ricardo Nunes, candidato de Tarcísio, no segundo turno, é sinônimo de suicídio político.

A extrema-direita marchará dividida e sem um nome forte para as eleições de 2026. Além de Bolsonaro estar inelegível, Marçal deve ter igual destino, uma vez que responde a nove processos.

Quanto a Tarcísio, possivelmente ele vai pensar duas vezes se renuncia ao governo de São Paulo para mergulhar numa candidatura incerta. O mais provável é que ouça os conselhos do presidente nacional do PSD e seu secretário de Governo e Relações Institucionais, Gilberto Kassab: deixe a disputa para 2030.

Daí a matemática que a mídia corporativa apresenta ao somar os votos obtidos pelos candidatos da extrema-direita na capital paulista e considerá-los evidência de que Boulos, apoiado por Lula e pelo PT, vai perder, não passa de apoio disfarçado em análise.

Segundo turno é sempre uma nova eleição. Nada indica que os votos dos eleitores de Marçal irão para Nunes. O próprio Marçal não apoiará nenhum candidato e igualmente os candidatos não o querem por perto.

Nada indica, por outro lado, que eleitores de Nunes e Marçal no primeiro turno não possam votar em Boulos.

Mais ainda: Bolsonaro, que se apresenta como a “verdadeira” extrema-direita, mostra-se pouco inclinado a pedir votos para Nunes. No primeiro turno ele preferiu referir-se apenas ao candidato a vice-prefeito, Mello Araújo (PL), um truculento aliado, ignorando Nunes. Vai mudar agora?

Além da máquina pública, Nunes, neste segundo turno, pretende continuar se apoiando nos “caciques” da extrema-direita. Tanto que espera se reunir com Bolsonaro nos próximos dias. Possivelmente, sua campanha será mais do mesmo.

Há, portanto, um amplo caminho a ser trabalhado por Boulos e seus apoiadores, quando se sabe como o eleitor paulistano muda de posição.

Basta lembrar que no passado deram vitória a figuras e partidos tão dispares quanto Jânio Quadros (PTB), Luiza Erundina (PT), Paulo Maluf (PSD), Celso Pitta (PPB), Marta Suplicy (PT), José Serra (PSDB), Gilberto Kassab (PSD), Fernando Haddad (PT), João Dória (PSDB) e Bruno Covas (PSDB).

Boulos acerta quando opta, neste segundo turno, por uma ação voltada para o corpo a corpo, ao mostrar suas propostas diretamente ao eleitor nas estações do metrô, nos pontos de ônibus, nas praças, parques e periferias. Isso, claro, sem descuidar da presença nas redes sociais e no horário eleitoral no rádio e na televisão que está de volta e vai até 25 de outubro.

Não é no mínimo precipitado, por parte da mídia corporativa, querer antecipar qualquer resultado da eleição em São Paulo?

Dito de outra forma: se trata de mais uma ação contra o governo federal disfarçada de cobertura jornalística e análise.

Curiosamente, esta mídia, que gosta tanto de falar em derrota do setor progressista, se calou diante do pífio desempenho do seu queridinho PSDB, ao se referir ao resultado do primeiro turno em São Paulo e Belo Horizonte.

Nestas duas capitais, onde os tucanos foram prefeitos por vários mandatos e estiveram à frente dos governos estaduais, o PSDB simplesmente desapareceu.

Para conseguir concorrer na capital paulista, os tucanos lançaram mão do apresentador de programas policialescos José Luiz Datena, que teve menos de 2% dos votos, o pior desempenho do partido.

Depois de um “reinado” cantado em prosa e verso pela mídia, os tucanos não elegeram vereador na maior e mais rica cidade do Brasil e da América Latina.

Não seria essa uma pesada derrota a ser apontada e devidamente analisada?

A situação em Belo Horizonte é ainda pior. Depois de governar o estado três vezes – dois mandatos de Aécio Neves e um de Antônio Anastasia -, o PDSB, que sempre interferiu nas eleições da capital mineira, não consegui lançar candidato e sequer elegeu vereador.

Em São Paulo e em Belo Horizonte, o partido sucumbiu por brigas internas e assistiu impotente seus eleitores debandarem.

O grande derrotado nestas eleições é, portanto, o tucano Aécio Neves, que chegou a ensaiar, em entrevistas para a mídia corporativa meses atrás, seu retorno à cena política nacional e cogitou disputar a prefeitura de Belo Horizonte.

Em agosto declarou seu apoio ao atual prefeito e candidato à reeleição, Fuad Noman (PSD).

Alguém pode argumentar que Fuad atuou em governos tucanos e sempre foi próximo da legenda, mesmo se considerando “um técnico”. É verdade.

Mas é igualmente certo que ele fez de tudo para esconder o apoio de Aécio, temendo perder votos. E Aécio deu o troco não aparecendo em Belo Horizonte para votar.

Não seria o caso de a mídia corporativa destacar esta derrota de Aécio? Afinal foi ele quem deu a partida para o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016 e para todo o inferno que se seguiu.

O neto de Tancredo Neves está na origem dos seis anos de desgovernos Temer e Bolsonaro, dois golpistas apoiados pela mídia corporativa, que tanto mal fizeram ao Brasil e ao povo brasileiro.

Temendo a ida para o segundo turno de dois extremistas de direita – Bruno Engler e Mauro Tramonte (Republicanos) – parcela do setor progressista belorizontino defendeu o voto útil em Fuad já no primeiro turno.

A estratégia foi bastante questionada. Até a última hora, as pesquisas indicavam empate técnico entre vários candidatos e uma indefinição de mais de 35% dos eleitores. Para alguns, no entanto, essa estratégia deu certo e levou Fuad ao segundo turno.

Ficarão sem respostas para sempre perguntas como: ele não teria ido mesmo sem o apoio de eleitores de Rogério Correia (PT), que o “cristianizaram” no primeiro turno?

O que significa para eleitores progressistas abrir mão de seus candidatos?

O medo é bom conselheiro?

Outra pergunta que não que calar: se o setor progressista em Belo Horizonte não tivesse se dividido entre as candidaturas da deputada Duda Salabert (PDT) e a de Rogério Correia, o resultado poderia ter sido diferente?

Acredito que sim, mas volto a destacar que estas questões não são enfatizadas pela mídia, que, desde sempre torce e trabalha pela divisão do campo progressista.

Fuad se apresenta como aliado de Lula e crítico feroz de Bolsonaro e dos bolsonaristas. Razão pela qual em Belo Horizonte o quadro também está indefinido e é no mínimo precipitado antecipar qualquer resultado.

Até porque se Engler passou para o segundo turno na frente de Fuad, as pesquisas já divulgadas para o segundo turno indicam Fuad na liderança.

Outro resultado emblemático neste primeiro turno é o da capital gaúcha. Depois de ter sido quase arrasada pela negligência do atual prefeito, Sebastião Mello (MDB) em se tratando da prevenção de enchentes e chuvas fortes, causa surpresa o prefeito e candidato à reeleição ir para o segundo turno à frente da deputada federal Maria do Rosário (PT), quando se sabe de todo o esforço desenvolvido pelo governo federal em tempo recorde para reconstruir Porto Alegre e apoiar seus habitantes na difícil tarefa de retomarem suas vidas.

Este resultado fica compreensível, no entanto, quando se observa o comportamento da mídia corporativa local e nacional.

Ela isentou Mello de qualquer responsabilidade pela morte de 171 pessoas, pelos mais de 700 mil desabrigados e 2,4 milhões de pessoas atingidas ao tratar o ocorrido como fruto exclusivo de “desastre climático” e não da negligência do prefeito e do próprio governador do Estado, Antônio Leite (PSDB).

Ambos, mesmo avisados pelas autoridades meteorológicas, não tiveram o mínimo cuidado em prevenir enchentes e em agir para minimizar o sofrimento das pessoas.

Some-se a isso que essa mídia fez de tudo para desqualificar a ação do governo Lula, que criou um ministério extraordinário para auxiliar na reconstrução de Porto Alegre, liberou R$ 98,7 bilhões para ações emergenciais, para infraestrutura, apoio à população e empresários.

A explicação para Mello ter quase sido reeleito em primeiro turno atende pelo nome de distopia.

A população de Porto Alegre foi levada pela mídia corporativa a uma situação imaginária, na qual acreditou nas mentiras que lhe foram contadas, após experimentar situações limites de desespero.

Não será fácil para Maria do Rosário repor a verdade em pouco mais de duas semanas, mas fica o registro dos estragos que uma mídia comprometida com o que há de pior pode fazer.

Ao considerar que “o agro é pop” e não estabelecer qualquer relação entre o desastre ocorrido em Porto Alegre com os desmatamentos no Rio Grande do Sul para darem lugar a plantações de soja e à especulação imobiliária em Porto Alegre, para enriquecer os de sempre, a mídia corporativa segue empoderando dois de seus queridinhos: Mello e Leite.

Por último, mas não menos importante, vale destacar três aspectos nefastos da cobertura feita por esta mídia no primeiro turno e que tendem a se repetir nas próximas semanas.

O primeiro deles se refere à ausência absoluta de reportagens investigativas sobre os candidatos, a coerência de suas propostas e quem os financia.

A mídia não fez qualquer relação entre os recursos enviados por deputados e senadores para “suas bases” via emendas secretas e emendas pix e a vitória de nomes por eles apoiados.

Emendas pix são aquelas em que os recursos podem ser aplicados sem qualquer necessidade de comprovação.

Estão suspensas por determinação do ministro do STF, Flávio Dino, mas deram o tom na política brasileira nos últimos quatro anos e garantiram ao presidente da Câmara dos Deputados, o bolsonarista Arthur Lira (Progresssitas), a condição de quase primeiro-ministro.

Em Belo Horizonte, independente de quem seja o vitorioso, Rubens Menin, dono da CNN Brasil, da rádio Itatiaia, do Clube Atlético mineiro, do Banco Inter, da construtora MRV, entre outras empresas, já ganhou.

Ele e membros de sua família doaram tanto para a campanha de Bruno Engler quanto a de Fuad. Até agora, a família Menin doou quase R$ 900 mil, a maior parte para Fuad.

Exceção para a revista Carta Capital, não se tem notícia de reportagens sobre doadores de campanha ou sobre a relação de veículos de mídia com candidatos.

A importância dessas doações é enorme. Um “amigo” pode facilitar muito a vida de grandes empresas.

Não satisfeito em transformar, ao longo de anos, vários de seus apresentadores e comentaristas em deputados e senadores, a rádio Itatiaia, comprada por Menin em 2021, conta agora um vereador para chamar de seu: o apresentador Leonardo Angelo (Cidadania), que fez questão de acrescentar o “da Itatiaia” ao seu sobrenome eleitoral.

O segundo aspecto desta cobertura realizada pela mídia corporativa que precisa ser observado é a substituição das notícias e reportagens pela mera divulgação de pesquisas eleitorais, transformando o pleito em uma espécie de corrida de cavalos.

Vale destacar que dessas pesquisas apenas alguns aspectos são divulgados e não há qualquer preocupação em mostrar a credibilidade ou seriedade dos institutos ou o acerto de suas metodologias.

A título de exemplo, um deles, localizado no Triângulo mineiro, às vésperas da eleição em primeiro turno, colocou o candidato bolsonarista à Prefeitura de Belo Horizonte, Bruno Engler, como quase eleito.

Esse instituto foi o mesmo que, na eleição presidencial de 2014, deu, também na véspera da eleição em segundo turno, folgada vitória a Aécio Neves sobre Dilma Rousseff.

Pesquisas eleitorais precisam ser relativizadas como fotografias de momento e não indicativos certos da realidade.

Em outras palavras caberia à mídia corporativa, se ela fosse séria, mostrar como havia resultados para todos os gostos e possivelmente todos os bolsos.

Dito de outra forma: as pesquisas foram transformadas em armas a serem utilizadas no convencimento dos mais crédulos.

O impacto delas como instrumentos de campanha foi grande para candidaturas progressistas, que se recusam a entrar no jogo.

O terceiro aspecto da atuação da mídia no primeiro turno destas eleições, que lamentavelmente também tende a se repetir, diz respeito aos debates.

Eles foram muitos, mediados por jornalistas ou entre os próprios candidatos, sem que houvesse a menor preocupação das emissoras que os patrocinavam em checar, em tempo real, o que os candidatos estavam dizendo, suas críticas e acusações aos adversários.

O resultado é que o cidadão/eleitor que assistiu a esses debates acabou se vendo diante de uma série de mentiras e calúnias que serviram apenas para alimentar opiniões equivocadas ou espalhar desinformação.

Para uma mídia que se gaba de não divulgar fake news, o que explica não adotar checagem em tempo real em debates?

Não seria o caso dela, que tanto se espelha nos Estados Unidos, copiar o uso desta ferramenta empregada no recente confronto entre Kamala Harris e Donaldo Trump?

Tudo isso somado deixa nítido que essa mídia, também em se tratando da cobertura eleitoral, deixou de lado a informação, dando verdadeiros nós na realidade ao avaliá-la segundo suas conveniências e interesses.

Em eleições municipais, com dezenas de partidos, milhares de candidatos a prefeitos e vereadores, qualquer avaliação meramente binária incorrerá em erro. E erro grave, se não fosse proposital.

Mas é isso que está sendo feito por esta mídia que nega vitórias de Lula, minimiza as derrotas de Bolsonaro e tenta empoderar um hipotético centro.

Seria uma maneira de ressuscitar a tal “terceira via”, que ela mesma nunca conseguiu emplacar?

É importante registrar ainda que setores da mídia progressista, a chamada mídia independente, também entraram nessa, com muitos de seus analistas ecoando, ingenuamente ou por interesses outros, visões distorcidas divulgadas pela mídia hegemônica.

A mídia corporativa nunca teve compromisso com os fatos e sempre trabalhou pela desestabilização de governos progressistas. Esperava-se no mínimo comportamento diferente por parte de alguns que se denominam independentes.

Mas essa é uma longa história, que fica para outra oportunidade.

*Ângela Carrato é jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

*Vioundo

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