As eleições municipais de São Paulo de 2024 trouxeram à tona uma divisão significativa entre as lideranças da direita, impactando diretamente o segundo turno da disputa entre o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). O posicionamento de figuras como o empresário e influenciador Pablo Marçal (PRTB), derrotado no primeiro turno, vem contribuindo para ampliar esse racha, enfraquecendo o apoio à candidatura de Nunes e, consequentemente, favorecendo Boulos.
A rejeição de Pablo Marçal e o racha na direita
Pablo Marçal, que conquistou cerca de 28% dos votos no primeiro turno, declarou publicamente que não apoiará a candidatura de Ricardo Nunes no segundo turno, citando a “arrogância” do prefeito e de figuras-chave da direita, como Jair Bolsonaro, o governador Tarcísio de Freitas, e o pastor Silas Malafaia. Em um comunicado à imprensa, Marçal liberou seus eleitores para votarem de acordo com suas convicções, insinuando que a postura intransigente de Nunes e seus aliados poderia resultar na vitória de Boulos.
“Diante das afirmações de Ricardo Nunes, comunico que não apoiarei sua candidatura neste segundo turno. A arrogância demonstrada não só por ele, mas também por Tarcísio de Freitas [governador de São Paulo], Jair Bolsonaro [ex-presidente], Eduardo Bolsonaro [filho de Jair], Silas Malafaia [pastor evangélico que apoia a candidatura de Nunes] e Valdemar Costa Neto [presidente do PL] inviabiliza qualquer tipo de apoio”, disse Marçal em nota enviada à imprensa.
Essa divisão foi potencializada pelas críticas de bolsonaristas que apoiaram Marçal no primeiro turno, muitos dos quais agora ameaçam votar em Boulos como uma forma de retaliação à postura de Bolsonaro e Nunes. Eles o acusam de ter “traído” a direita, o chamam de “comunista” e ameaçam votar em Boulos por vingança. Dados recentes da pesquisa Datafolha revelaram que uma parcela significativa do eleitorado bolsonarista prefere Marçal a Nunes, com 51% dos bolsonaristas declarando apoio ao influenciador no primeiro turno, contra 34% que optaram por Nunes. A tendência de migração desses votos para Boulos torna-se uma preocupação crescente para o atual prefeito.
A relação tumultuada entre Bolsonaro e Nunes
Desde o início da campanha, a relação entre Jair Bolsonaro e Ricardo Nunes tem sido marcada por tensões e divergências. Embora Bolsonaro tenha formalmente apoiado Nunes no primeiro turno, sua proximidade com Pablo Marçal criou um cenário confuso para os eleitores de direita. Ao longo da campanha, Nunes e Bolsonaro raramente se apresentaram juntos, e a hesitação do ex-presidente em participar de forma mais ativa acabou irritando aliados de Nunes.
Essa situação levou figuras como o pastor Silas Malafaia a criticarem abertamente Bolsonaro por sua falta de engajamento, enquanto outros, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro, tentaram minimizar a crise interna. Malafaia chegou a chamar o ex-presidente de “covarde” e “omisso” por não ter se engajado na campanha de Nunes no primeiro turno, apontando que, para ele, o medo do apoio massivo a Marçal nas redes sociais influenciou a postura de Bolsonaro. “Que porcaria de líder é esse?”, disse o pastor.
Ainda assim, a campanha de Nunes parece ter adotado uma estratégia de distanciamento em relação a Bolsonaro no segundo turno, priorizando o eleitorado de centro e evitando as pautas mais alinhadas à extrema-direita.
“O que pode atrapalhar o Nunes é o Bolsonaro querer fazer campanha agora. Se Bolsonaro entrar agora na campanha do Nunes, só vai atrapalhar. Quando a gente precisou dele, ele não foi. Agora não precisamos mais. Bolsonaro agora quer vir na janelinha? Janelinha não”, declarou Paulinho da Força (Solidariedade-SP).
A ascensão de Boulos e a fragmentação da direita
Enquanto isso, Guilherme Boulos tem capitalizado sobre a fragmentação da direita e o desgaste de seus principais adversários. Conhecido por sua atuação como coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Boulos tem se apresentado como um candidato capaz de dialogar com diferentes segmentos da população, especialmente nas periferias de São Paulo, onde Marçal obteve uma fatia significativa de votos no primeiro turno.
Marçal, inclusive, reconheceu que cerca de 45% de seus votos vieram de regiões onde o presidente Lula venceu em 2022, sugerindo que esse eleitorado pode se inclinar para Boulos no segundo turno. “Tenho certeza que ele [Boulos] vence. Ele sabe sinalizar com o povo e o Ricardo não sabe, Boulos e Lula têm a língua do povo, os outros [estão] só brigando.”
A narrativa de Boulos como representante da “língua do povo” contrasta com a imagem mais técnica e administrativa de Nunes, que, embora tenha o apoio de Tarcísio de Freitas, enfrenta dificuldades em conquistar a confiança dos eleitores mais à direita. A campanha de Nunes, que inicialmente buscou o apoio dos bolsonaristas, agora tenta reposicionar seu discurso, focando em sua experiência como gestor e na importância de manter a estabilidade administrativa na maior cidade do país.
Boulos tem defendido que quem votou em Marçal quer mudança na gestão, numa análise que discorda de quem diz que os eleitores de Marçal são naturalmente de Nunes. O candidato de esquerda diz que vai conquistar esse eleitor mostrando que representa a mudança que São Paulo precisa. Além disso, pretende desmascarar a farsa da propaganda triunfalista do atual prefeito.
Consequências para 2026 e o futuro da direita
A eleição em São Paulo tem sido interpretada como um termômetro para a política nacional e as eleições presidenciais de 2026. O enfraquecimento da unidade da direita em um dos principais redutos eleitorais do país pode ter consequências de longo prazo, não apenas para as lideranças locais, mas também para figuras como Bolsonaro e Tarcísio de Freitas, que já são vistos como potenciais candidatos em futuras disputas.
Marçal, por sua vez, já indicou que pretende disputar a presidência ou o governo de São Paulo em 2026, o que adiciona mais um elemento de tensão à já conturbada relação entre as lideranças de direita e se choca com as pretensões de Tarcísio. Seu rompimento com Nunes e os principais expoentes do bolsonarismo reflete um movimento de insatisfação que pode fragmentar ainda mais o campo conservador nos próximos anos.
Com a direita dividida e o eleitorado bolsonarista fragmentado, Guilherme Boulos surge como um forte concorrente no segundo turno das eleições em São Paulo. A rejeição de Marçal a Nunes, somada ao distanciamento estratégico de Bolsonaro, cria um cenário favorável para Boulos, que pode consolidar o apoio de setores populares e descontentes com a atual administração. Enquanto Nunes tenta realinhar sua campanha e conquistar o voto de centro, o racha na direita pode ser decisivo para o desfecho da eleição e para os rumos da política paulistana e nacional nos próximos anos.