X no Brasil, Telegram na França e Google nos EUA: “big techs” e redes socais entram na mira de governos e tribunais mundo afora

X no Brasil, Telegram na França e Google nos EUA: “big techs” e redes socais entram na mira de governos e tribunais mundo afora

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Pressão por regulação e responsabilização de plataformas digitais cresce em escala mundial.

O X bloqueado no Brasil após descumprimento de decisão judicial. Pavel Durov, fundador do Telegram, preso na França acusado de não impedir o uso criminoso da plataforma. Nos Estados Unidos, o Google sofre sua primeira derrota na Justiça em ação sobre práticas desleais à concorrência. E o TikTok pode ser banido do mercado estadunidense em 2025. Na Europa, todas as big techs passam a estar sujeitas a um escrutínio maior de novas leis que visam regular os mercados digitais.

Esses casos não são coincidência. Especialistas afirmam que, depois de anos de operações sob vigilância reduzida, as grandes empresas de tecnologia enfrentam uma crescente pressão por parte de governos, órgãos reguladores e tribunais mundo afora.

A advogada especialista em direito digital Nuria López, cofundadora da Technoethics e sócia da Daniel Advogados, diz que o endurecimento em medidas de responsabilização é um processo que vem se desenhando ao longo dos últimos anos e que vai exigir equilíbrio para ampliar a exigência de governança sem limitar o desenvolvimento da tecnologia.

— Uma parte do que vivemos no Brasil não é tão diferente do que está acontecendo nos Estados Unidos ou na França — avalia a advogada.

As inovações tecnológicas tendem a progredir em um ritmo muito mais acelerado do que as leis e regulamentações conseguem se adaptar, lembra Nuria. Isso explica por que, durante anos, o território das big techs ficou praticamente livre da pressão judicial e governamental.

Após dobrar apostas contra o Supremo Tribunal Federal, que mantém o X fora do ar no Brasil há três semanas, Elon Musk dá sinais de que pretende cumprir as determinações da Justiça brasileira. O bilionário contratou um escritório de advocacia para os casos que correm no STF, voltou a bloquear contas suspensas por ordem judicial e, no fim da noite de sexta-feira, nomeou um representante legal no país.

Dias antes de o X ser suspenso no Brasil, o russo Pavel Durov, do Telegram, foi preso na França acusado de permitir o uso criminoso da sua plataforma na disseminação de pornografia infantil e tráfico de drogas. Foi libertado sob fiança de € 5,5 milhões, mas com o compromisso de se apresentar regularmente à polícia e sem poder deixar a França.

A lei na qual baseou a prisão de Durov foi promulgada há pouco mais de um ano e prevê, entre outras disposições, a responsabilização criminal de plataformas que sejam lenientes com o uso criminoso de seus serviços.

Responsabilização
Assim como Musk, Durov defende uma liberdade de expressão irrestrita, o que resultou em padrões de segurança mais brandos após o Twitter se tornar X e em um histórico de pouca moderação no conteúdo do Telegram.

Na plataforma de mensagens, o escudo do anonimato defendido por Durov se tornou um refúgio para grupos extremistas e criminosos. Uma investigação do New York Times, que analisou 16 mil canais do Telegram, encontrou 1,5 mil comunidades operadas por supremacistas brancos, com alcance de quase um milhão de pessoas.

Durov chamou as acusações da Procuradoria francesa de “equivocadas”, mas anunciou mudanças em alguns recursos do Telegram e prometeu aumentar os esforços para impedir seu uso criminoso.

A responsabilidade sobre danos causados pelas redes respinga também na Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp. A empresa enfrenta uma série de investigações, desde 2021, sobre o impacto de seus algoritmos na saúde mental em jovens. O processo mais contundente foi movido em outubro do ano passado, quando 40 estados dos EUA processaram a empresa de Mark Zuckerberg por prejudicar a saúde de adolescentes em prol de maior engajamento.

O TikTok, por sua vez, é alvo de uma ação na Justiça estadunidense pela morte de uma menina de 10 anos que tentou o “desafio do apagão” — uma autoasfixia que se tornou viral na rede. Um Tribunal de Apelações considerou que o processo era válido e poderia prosseguir. A decisão é considerada um marco, já que a legislação dos EUA isenta as plataformas pelo teor de conteúdos postados. Mas o juiz no caso considerou que o TikTok poderia ser processado por suas escolhas na promoção dos vídeos de desafio.

A decisão envolvendo o TikTok vem em um momento em que a própria operação da plataforma no país está sob risco. Uma lei aprovada recentemente determina que o TikTok corte seus vínculos com a China ou venda suas operações nos EUA, sob pena de ser banido do mercado estadunidense em janeiro. O argumento é que os vínculos com Pequim seriam uma ameaça à segurança nacional. O TikTok foi à Justiça contra a lei.

Os casos de TikTok, X, Telegram e Meta envolvem contextos distintos, em países diferentes, com interesses nacionais variados, explica Vicente Bagnoli, professor de Direito da Concorrência da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador visitante do Instituto Max Planck de Inovação e Concorrência:

— O que todos esses casos têm em comum é o poder das big techs e como isso tem incomodado. O ponto de virada aconteceu quando as pessoas, inclusive aplicadores do direito e políticos, começaram a entender melhor o que são essas empresas. À medida que elas crescem e se tornam mais poderosas, fica evidente que algo precisa ser feito.

Práticas comerciais
Bagnoli aponta que um dos marcos foi o caso Cambridge Analytica, em 2018, quando o Facebook foi acusado de permitir o uso de dados pessoais de milhões de usuários sem consentimento em propagandas que acabaram influenciando processos como a eleição de Donald Trump e o referendo do Brexit, pelo qual o Reino Unido deixou a União Europeia. O caso deixou claro que “a influência dessas plataformas era tão grande que poderia interferir diretamente em processos democráticos”, lembra Bagnoli.

Na Europa, a aprovação da Lei de Serviços Digitais (DSA, pela sigla em inglês), em 2022, foi outro marco. A legislação, que já levou a abertura de investigações contra Meta e X, traz obrigações para as plataformas na transparência de seus algoritmos e no combate a conteúdos ilegais.

Em outra frente, autoridades têm ampliado os questionamentos sobre as práticas comerciais das big techs. Além de enfrentarem processos antitruste na Europa, elas se tornaram alvo de investigações da Comissão Federal de Comércio e do Departamento de Justiça dos EUA — que já levaram a ações judiciais. Em agosto, houve a primeira sentença: um juiz federal considerou que o Google adotou práticas monopolistas para consolidar seu domínio no mercado de buscas.

O advento da inteligência artificial (IA) generativa torna o desafio da regulação ainda maior. Para o pesquisador Nick Jennings, vice-chanceler e presidente da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, a IA deve exigir cada vez mais diretrizes que transcendem fronteiras nacionais. Mas ele ressalta que é preciso encontrar o ponto ideal:

— A resposta não pode ser zero regulação, ou seja, deixar que todos façam o que quiserem, mas também não pode ser um ambiente extremamente regulado, porque isso irá travar a inovação. Acredito que há um meio-termo possível, embora ainda estejamos buscando esse equilíbrio.

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