*Luis Nassif
O mercado não trata cada ativo como bom ou mau, mas como barato ou caro. Quando supõe que o ativo está barato – isto é, valendo menos do que o mercado calcula – há uma tendência de valorizar o ativo. Saem matérias enaltecendo suas vantagens, ignorando suas vulnerabilidades, a recuperação inicial é trombeteada, levando a novas altas, até que… Até que o ativo fica caro. Aí, cada notícia contrária tem efeito devastador, até trazer o ativo para um valor mais baixo.
Tome-se o caso Pablo Marçal. Ele surge no clima modorrento da política atual, com uma esquerda na defensiva e um bolsonarismo que não consegue inovar nas barbaridades.
Para conseguir visibilidade, entra em um site de gamers e começa a trazer seu papo de pescador: como derrotou um tubarão, como tornou-se um corredor campeão com um dia de concentração, como percebeu a pane no helicóptero antes do piloto, e salvou a todos. Eram fatos engraçados e, em pouco tempo, espalharam-se pelas redes sociais.
Atrás deles, veio o marketing de Marçal que diz ter ficado milionário graças à mesma força de vontade que o fez dar um murro no focinho do tubarão. Mas, aí, ele tinha o que mostrar, mansões, carros importados, jatinhos, e uma enorme incógnita sobre seus negócios. Ainda haverá algum jornal para desvendar seus negócios em Angola. Seus cursinhos de auto-ajuda explodiram e ele resolveu repetir a mesma tática para se candidatar a prefeito de São Paulo.
De repente, para muitos analistas – inclusive críticos dele – tornou-se Marçal, o estrategista infalível. Qualquer ato seu, por mais besta que fosse, passou a ser analisado com respeito reverencial, porque pode conter uma nova tática, que ainda não foi entendida pelos mortais. Estou falando de críticos abraçando esse mito da infalibilidade de Marçal.
Não se dão conta da regrinha número 1 do mercado: o ativo barato e o ativo caro.
A cada dia que passa, Marçal fica mais caro.
Enquanto estava barato, propunha 2 milhões de empregos em regiões de periferia, inteligência artificial para prevenir o crime que ainda irá ocorrer (inspirado em filme de Steven Spielberg) e por aí vai. E os críticos deslumbrados não ousam rebater as loucuras, porque não conseguiram prever os desdobramentos das outras loucuras, que fizeram de Marçal um candidato competitivo.
Acontece que esses cometas – que aparecem de tempos em tempos – necessitam sempre criar fatos novos para se manter em ascensão e não serem considerados baratos. E as pirotecnias de Marçal atingiram o ápice muito cedo.
Voltemos ao Marçal pré-candidatura. Para manter o estoque de excentricidades, em determinado momento levou dezenas de seguidores para escalar uma montanha. Tiveram que ser salvos pelo Corpo de Bombeiros. Em outro momento, forçou um grupo de corredores a superar seus limites, levando à morte um de seus funcionários. É esse o estrategistas infalível?
E agora? Seu estilo extremamente agressivo tornou-se overdose. Não tinha sequer estratégia para enfrentar a sucessão de debates em TV, sem se desgastar.
À medida que as pesquisas foram aparecendo, o gênio da estratégia mudava imediatamente seu estilo, tornava-se chorão. Depois, os dados mostravam que o público não gostava de chorão, e ele voltava a ser o agressor, agora na frente de um público muito mais amplo. Mostrou não ter nenhuma consistência: tem um estilo para cada ocasião e uma megalomania tal que passou a acreditar no personagem que construiu. O típico caso da esperteza que engoliu o esperto.
Seu debate com Malafaia foi constrangedor. Com seu estilo agressivo, Malafaia descascou o verbo. Marçal respondeu com insinuações pesadas. Malafaia voltou com mais indignação ainda. De repente, aparece um Marçal com a barba por fazer, chorando e pedindo desculpas. Malafaia, que é especialista em malandragem, logo tratou de mostrar didaticamente a malandragem do outro. E trouxe de volta o Marçal agressivo.
No embate, há duas hipóteses para o comportamento de Marçal: ou é um estrategista de curto prazo ou é bipolar.
Ora, se Marçal fosse o gênio que os críticos supõem que seja, entraria nessa fria? Se fosse o estrategista invencível, entraria na fase de ampliação do seu público sem uma estratégia sequer, valendo-se do mesmo discurso utilizados para seus crentes?
Suas propostas de governo propõem saídas ilusoriamente falsas para problemas reais. Mas todo o tempo de TV foi utilizado para uma guerra verbal contra todos os demais candidatos, de baixíssimo nível, realçando sua personalidade de provocador desrespeitoso, identificando-se cada vez mais com as quadrilhas de adolescentes que azucrinam especialmente a periferia.
Agora, a cadeirada de Datena marca simbolicamente a reversão de Marçal. Ele ainda está no alto, mas já não cresce. Começou a ser percebido como muito caro. Até agora, escudou-se em todos os temas suscetíveis de manipulação – autoajuda, religião, empreendedorismo, anti-comunismo. Mesmo sua habilidade em fugir de todas as perguntas incômodas já está gasta. É só lembrar o questionamento feito por uma jornalista sobre sua afirmação de que faria um defunto ressuscitar. Sua resposta foi patética:
Eu acredito na fé, você não?
E agora, à medida que as pesquisas forem demonstrando sua queda, o que mais inventará? Todas as acusações contra ele ganham nova consistência. As acusações iniciais – de que foi condenado aos 18 anos – eram colocadas por jornalistas que não conheciam o inquérito. E permitiam a ele se escafeder com argumentação pseudo-jurídica sobre a coisa julgada. Agora, se sabe que ele escapou porque topou uma delação premiado contra o resto da quadrilha. Ou seja, não tem a ética das pessoas normais e não tem sequer a ética das quadrilhas.
Agora, suas manobras iniciais para fugir das perguntas não são mais novidade. A cada novo debate haverá apresentadores que aprenderam sobre seu estilo nos debates anteriores.
*Luis Nassif/GGN