Na TI Panambi-Lagoa-Rica, os Guarani Kaiowá demandam que juristas atuem contra decisão judicial considerada ‘absurda’
Em uma mão, o arco, a flecha e o mbaraká (instrumento sagrado). Na outra, uma garrafa com a água do rio, recém envenenada. Foi assim que Genivaldo*, jovem guerreiro Guarani Kaiowá da Terra Indígena (TI) Panambi Lagoa-Rica, falou para a comitiva de juristas, indigenistas, membros de entidades de defesa dos direitos humanos e do governo federal que visitou a comunidade em Douradina (MS) na quinta-feira (30).
Por intermédio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Instituto Socioambiental (ISA), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Defensoria Pública, ONG Conectas Direitos Humanos e Associação Brasileira de Juízes pela a Democracia (ABJD) passaram uma manhã na retomada Yvy Ajerê.
Além da denúncia de que o rio foi contaminado propositalmente, a comunidade pediu que as autoridades encaminhem a água para uma análise técnica. Querem saber quais produtos fizeram morrer os peixes e adoecer ao menos duas crianças e um homem.
Esta foi uma das demandas emergenciais apresentadas pelos Guarani Kaiowá para enfrentar o cenário de violência e tensão que vivem desde que, em 13 de julho, retomaram três das sete áreas ocupadas por eles na TI Panambi Lagoa-Rica. Sobreposto por fazendas, o território já foi delimitado e reconhecido pela Funai em 2011, mas está desde então com o processo demarcatório parado.
Acampamento de fazendeiros
Os Kaiowá reivindicam também que seja desmontado o acampamento de fazendeiros na retomada Yvy Ajerê. Ali, homens e caminhonetes ficam dia e noite, a poucos metros da comunidade indígena.
O acampamento foi montado já no 14 de julho, horas depois de o terreno ser retomado. Neste mesmo dia o primeiro indígena foi baleado por pistoleiros. Atingiram a sua perna. No último 3 de agosto outro ataque feriu 10 pessoas – dois gravemente, alvejados na cabeça e pescoço.
“Aqui está nosso companheiro”, disse Samuel*, liderança Guarani Kaiowá, ao lado de um jovem sentado na cadeira, com a marca da bala que entrou na cabeça e segue, até agora, alojada no seu cérebro. “Como eu, ele vai ficar com uma sequela”, seguiu Samuel, que é sobrevivente do Massacre de Caarapó, ocorrido em 2016. “E as pessoas que fizeram isso com ele estão aí, na porta ali. Intimidando nosso povo”, ergueu o braço, apontando para o acampamento de onde, a curta distância, homens observavam a reunião.
Anderson Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), lembrou que os indígenas já foram à Brasília algumas vezes deste que a tensão na região escalou.
“Visitamos o Ministério da Justiça, o MPI, dialogamos com a presidência da República – e não tivemos resposta. Por que um acampamento de fazendeiros, com pessoas armadas que se reúnem em grupo há quase dois meses, inclusive com armas de uso restrito da polícia como é o caso das de bala de borracha, podem se manter, atacando as pessoas como estão vendo aqui?”, questionou o advogado para a comitiva.
“Ataques ocorreram quando a Força Nacional já estava em território indígena. Ou seja, na presença do Estado brasileiro. E nada é feito. Onde está a legalidade da manutenção deste acampamento?”, reforçou o advogado do Cimi.
Os Guarani Kaiowá também pedem providências para suspender a última decisão judicial envolvendo a disputa deste território. No último (24), o juiz Rubens Petrucci Junior determinou que os indígenas saiam de uma das retomadas, a Guaaroka, sobre a qual está a Fazenda São José Dias, e sejam confinados em 17,7 hectares que ficam em uma área já ocupada por eles.
*BdF