Escola Estadual de Willowbrook foi originalmente concebida como internato para crianças com transtornos psiquiátricos, mas fez parte de uma pesquisa secreta sobre a doença.
Há 50 anos, em meados de 1974, o estado de Nova York se tornava alvo de uma ação coletiva movida pelos pais das crianças internadas na Escola Estadual de Willowbrook — um internato para crianças com deficiência intelectual. Eles haviam descoberto algo chocante: entre 1955 e 1970, a instituição sediou um dos experimentos científicos mais repugnantes do pós-guerra.
Milhares de crianças pobres e portadoras de transtornos mentais foram utilizadas como cobaias humanas e deliberadamente infectadas com hepatite, como parte de uma pesquisa secreta sobre a doença.
Localizada em Staten Island, na cidade de Nova York, a Escola Estadual de Willowbrook foi originalmente concebida como um internato para crianças com transtornos psiquiátricos. A construção teve início em 1938, mas foi interrompida após a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Durante o conflito, o complexo, ainda inacabado, foi convertido em um hospital militar. A construção foi concluída em 1947.
Contrariando a pretensão do governo norte-americano de repassar o edifício para uso do Departamento de Assuntos de Veteranos, o governador de Nova York, Thomas Dewey, insistiu em retomar o projeto original e utilizar o complexo para recolher “milhares de crianças mentalmente deficientes que nunca poderão fazer parte da sociedade”.
Apesar da sua denominação, Willowbrook jamais funcionou como uma escola. A instituição não contava com projeto ou estrutura pedagógica e não havia professores em seus quadros. As aulas eram ministradas de forma irregular por estudantes voluntários e eram restritas, na melhor das hipóteses, a duas horas por dia. Willowbrook funcionava na prática como um depósito para crianças tidas como “indesejáveis”, refletindo a política higienista do governo norte-americano que seguiu em curso no pós-guerra, mesmo após a revelação dos horrores praticados pelos nazistas em nome da eugenia.
Desde a inauguração, os internos de Willowbrook sofriam com o abandono e negligência estatal. As péssimas condições de higiene e conservação das instalações favoreciam a disseminação de doenças. As taxas de letalidade eram muito elevadas e, não raramente, os funcionários levavam dias para recolher os corpos em decomposição. As crianças eram amontoadas em alojamentos imundos, acorrentadas e submetidas a abusos físicos. Denúncias de violência sexual contra os internos também eram frequentes.
Apesar disso, Willowbrook era a única instituição que oferecia “tratamento” gratuito para crianças portadoras de transtornos mentais no estado de Nova York, sendo, portanto, muito procurada pela população — sobretudo por famílias carentes, que não tinham condições de pagar por tratamentos particulares.
Projetada para abrigar até 4.000 crianças, Willowbrook já contabilizava 6.000 internos pouco após sua inauguração, convertendo-se em uma das maiores colônias psiquiátricas dos Estados Unidos. Na década de 1950, as péssimas condições sanitárias da instituição resultaram em um grave surto de hepatite entre os internos. O surto chamou a atenção do médico Saul Krugman, pesquisador da Universidade de Nova York, que então se dedicava a estudar a hepatite e os efeitos da gama globulina no tratamento da moléstia.
Krugman solicitou ao Conselho Epidemiológico das Forças Armadas dos Estados Unidos uma permissão para estudar o desenvolvimento de uma vacina contra a hepatite em Willowbrook, utilizando as crianças como cobaias. O governo dos Estados Unidos autorizou a pesquisa.
O estudo teve início em 1955, conduzido por Krugman e outros renomados cientistas norte-americanos — incluindo o virologista Robert McCollum, da Universidade de Yale. Para obter o consentimento dos pais, os pesquisadores diziam que as crianças passariam por um procedimento preventivo, que impediria que elas desenvolvessem hepatite. Na década de 1960, a instituição também vinculou a admissão de novos internos à autorização para que as crianças participassem do experimento. Sem informações sobre a verdadeira natureza do estudo, as famílias concordavam em entregar os filhos para serem usados como cobaias.
Os pesquisadores queriam observar as diferenças na evolução da hepatite sérica e da hepatite infecciosa, bem como testar as hipóteses sobre o uso de anticorpos no combate à doença. Para isso, dividiram as crianças em dois grupos — o grupo experimental, composto por crianças que receberam anticorpos, e o grupo de controle, formado por crianças desprotegidas.
Os pesquisadores infectaram propositalmente milhares de crianças com o vírus da hepatite B. As cepas do vírus eram inoculadas através de injeções ou oferecidas no lanche das crianças, misturadas ao leite com chocolate. As crianças infectadas não recebiam qualquer tipo de terapia, pois os médicos pretendiam observar os efeitos da progressão da doença. Como resultado do experimento, centenas de crianças morreram ou ficaram com sequelas graves.
As complicações e mortes de internos despertaram a desconfiança das famílias, que começaram a procurar a imprensa e autoridades públicas para saber o que estava ocorrendo em Willowbrook. Em 1965, após uma visita à instituição, o senador Robert Kennedy relatou que as crianças estavam “vivendo em meio à imundície e à sujeira, vestindo trapos, dormindo em quartos menos confortáveis do que as gaiolas dos animais do zoológico”.
Donna Stone, uma militante dos direitos da infância, obteve acesso à escola passando-se por uma assistente social e registrou uma série de abusos. A imprensa começou então a publicar reportagens versando sobre as péssimas condições sanitárias de Willowbrook e os abusos contra os internos.
*Opera Mundi