Segundo oficiais de Moscou e analistas independentes, Ucrânia não poderia atingir Kursk como fez sem imagens dos satélites espiões da Otan.
Passada cerca de duas semanas desde o início da ofensiva da Ucrânia na região de Kursk, no sul da Rússia, e em meio à chegada de reforços russos que estavam em outras frentes no território ucraniana, a operação das tropas de Kiev confirmou no sábado (17) que chegou a um ponto em que não pode avançar mais do que um ou dois quilômetros por dia, enquanto a Rússia continua há meses sua própria ofensiva do outro lado da fronteira, de modo também lento, mas constante, nas regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk.
Como uma breve síntese, este é o panorama que emerge depois de 12 dias de combates em Kursk e, a partir do momento em que não houver mais avanço ucraniano em solo russo, é praticamente impossível prever o que vai acontecer, ou melhor, qual dos cenários possíveis Moscou e Kiev vão escolher.
Com base nas informações e análises fornecidas por especialistas de ambos os lados, o primeiro ponto que chama a atenção é que russos e ucranianos – embora os primeiros estejam cortando as estradas e caminhos para evitar os avanços ucranianos e estes tentem atacar pelos flancos – estão se preparando para fortificar suas posições, à espera do próximo passo que seu inimigo dará.
Nesse sentido, os russos cavam trincheiras a 45 km da fronteira e os ucranianos procuram desmantelar a logística do Kremlin, destruindo, como fizeram na sexta-feira (16), uma ponte sobre o rio Seima e bombardeando outras nos rios Volga e Vedma, informou o canal Rybar, próximo à inteligência militar russa.
Até quando?
Não está claro se o Kremlin vai aceitar que tropas estrangeiras ocupem parte de seu território por um tempo – para os comentaristas mais pessimistas em Moscou, como Oleg Tsarev (ex-deputado pró-russo do Parlamento ucraniano), até o próximo inverno, e para os mais otimistas em Kiev, como Mikhailo Podolyak, assessor da presidência, até que algum dia se celebrem negociações e isso sirva como moeda de troca – ou se vai tentar expulsá-los a todo custo.
O problema, do ponto de vista do analista militar Konstantin Mashovets, é que a Rússia transferiu como medida de urgência desde os fronts de Donetsk, Kharkiv, Kherson e Zaporíjia (a linha de frente abrange 1.200 km) cerca de 10 batalhões, o que equivale a cerca de 5 mil efetivos, para frear a Ucrânia em Kursk, levando em conta que Kiev utilizou apenas parte das 14 brigadas que estava preparando como reserva.
Agora, a Ucrânia mantém na fronteira o restante das unidades que podem entrar em Kursk, em caso de necessidade ou esperar que mais tropas russas se concentrem ali para atacar em outro lugar, como Briansk, Belgorod ou a Crimeia, por exemplo. Para poder expulsar os ucranianos de seu território, a Rússia necessita – na opinião dos especialistas Yan Matveyev e Piotr Chernyk – de no mínimo 30 a 40 mil soldados, cerca de, segundo eles, 10% de seu contingente na Ucrânia.
A Rússia, consideram esses e outros analistas, não tem reservas disponíveis e tampouco quer, devido à rejeição na sociedade, enviar conscritos para combater ou anunciar uma mobilização geral, tentando reforçar as fileiras de seu exército oferecendo cada vez mais dinheiro àqueles que estão dispostos a assinar um contrato, mas os recursos não são inesgotáveis.
“Terra arrasada” em Kursk?
Se não deslocar esses 30 ou 40 mil soldados de Donetsk e Lugansk, onde se concentra o grosso das tropas russas na Ucrânia, e se propor a expulsar os ucranianos de seu território a qualquer custo, só lhe resta – na opinião do analista militar Valeri Shiriayev – “fazer o mesmo que fez em Bakhmut ou Avdiivka: bombardear incessantemente com aviação e artilharia até transformar as localidades ocupadas em ruínas”. Mas há dúvidas de que o Kremlin esteja disposto a arrasar seu próprio território, avalia Shiriayev.
Até o momento, o presidente Vladimir Putin – embora tenha posto à frente da operação para resgatar Kursk um dos homens de sua máxima confiança, Aleksei Diumin, membro de seu círculo atual como assessor, que começou sua carreira política como guarda-costas do presidente e a quem no futuro foi mencionado como possível sucessor – não autorizou o Estado-Maior a enviar mais efetivos de Donetsk e Lugansk para Kursk, confiando que os êxitos em solo ucraniano podem relegar a segundo plano os retrocessos em território russo.
*Diálogos do Sul