Funcionários relatam casos extremos, como recolhimento de corpos na via sem o treinamento adequado.
Faltavam 20 minutos para a meia-noite do dia 14 de junho quando dois funcionários do Metrô, em São Paulo, foram atacados e ameaçados com uma faca por um homem alcoolizado na estação Carandiru, na zona norte da capital.
Inicialmente, o homem fingiu ser a vítima de uma suposta agressão por parte de outros usuários do Metrô. Mas quando o Centro de Controle de Segurança foi acionado, ele se alterou e partiu para cima dos funcionários.
“Ele começou a buscar contato físico conosco gesticulando ofensivamente. Pulou as catracas para a área livre do mezanino, quando sacou uma faca do tipo canivete retrátil para atacar o meu colega. Houve luta corporal e felizmente meu colega conseguiu deter a mão com a faca antes de ser atingido”, disse o metroviário Thiago Baptista Mathias de Carvalho ao Brasil de Fato.
“Ficamos obviamente abalados pelo risco que passamos. Desde então trabalhamos novamente alguns dias sozinhos ou em apenas uma dupla, sem efetivo do Departamento de Segurança para os diversos outros casos que diariamente seguem ocorrendo, de assaltos e agressões aos passageiros. A mesma coisa ocorre nos turnos manhã e tarde”.
De acordo com os relatos obtidos pelo Brasil de Fato, esse tipo de situação é corriqueira e agravada pela quantidade abaixo do ideal no número de funcionários para lidar com ocorrências semelhantes. Como consequência, a sobrecarga de trabalho e os malefícios à saúde mental dos trabalhadores se tornou evidente.
“Nós já desenvolvemos sequelas psicológicas pela constante insegurança a que somos sujeitos no ambiente de trabalho, passando a fazer uso de remédios controlados. Essa, inclusive, é a condição da maioria dos operadores de transporte metroviário hoje em dia, diante de tanta sabotagem e assédio por parte dessa gerência e gestão da empresa”, denuncia um dos trabalhadores.
Para a surpresa de todos, após 40 dias do ataque de um homem portando uma arma branca, os funcionários que se defenderam foram suspensos por “extrapolar suas atribuições profissionais”. Para os trabalhadores, tratou-se de “um óbvio absurdo a empresa nos punir por termos praticado legítima defesa” e de “um recurso de assédio a nós pelos constantes questionamentos devido à falta de quadro operativo”.
Falta de pessoal
Hoje, o Metrô conta com 6.382 funcionários, apesar de o quadro aprovado ser de 10.250, segundo dados do Portal da Transparência do estado de São Paulo. Esse número, no entanto, já chegou a ser de 9.588 trabalhadores em 2014. Isso significa uma diminuição de 30,2% em 10 anos.
Paralelamente, o número de afastamentos por questões de saúde se manteve praticamente o mesmo, a despeito da diminuição expressiva da quantidade de trabalhadores. Em 2016, por exemplo, foram 331 funcionários afastados, num quadro de 8.262 trabalhadores. O que representa um percentual de aproximadamente 4%. Já no ano passado, foram 226 afastamentos, entre 7.195 metroviários, ou seja, 3%
Alex Santana, da diretoria da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro) e metroviário em São Paulo, explica que os afastamentos por questões médicas são causados por diversos problemas, como ilustrado pelos relatos, incluindo sobrecarga de trabalho e episódios traumáticos.
“É um número elevado de afastamento por mês em relação à saúde. As pessoas estão trabalhando de forma muito sobrecarregada, e o psicológico está no limite. O adoecimento está se alastrando nas áreas do metrô por causa dessas condições”, afirma Santana.
O metroviário afirma que, nas estações, a situação está crítica devido à falta de funcionários, dificultando o cumprimento dos procedimentos de segurança e atendimento ao público, resultando em várias estações operando com apenas um trabalhador.
“A empresa está tentando tanto desviar como acumular funções em diversas áreas. Na linha 15 (Prata), por exemplo, os seguranças fazem praticamente todas as atividades de estação. Tem várias estações que não têm funcionário de estação, e só fica o segurança, que atua tanto na parte operacional e de atendimento, como na sua função de segurança”, afirma Santana.
Além da sobrecarga de trabalho e da atuação em áreas diferentes daquelas acordadas em contrato, os relatos dão conta de outra ocorrência que contribui para o estresse dos trabalhadores: a retirada de corpos de pessoas que cometem suicídio.
“Essa situação, de passageiro na via, existe com uma certa frequência. De uns anos para cá, houve algumas mudanças de procedimento no sentido de não autorizar o funcionário de atendimento direto a ir para a via para esse tipo de atendimento. Porém, a gente sabe de situação em que não havia funcionário, e a pessoa teve que fazer o trabalho”, relata Santana.
Nas palavras do operador Thiago Carvalho, os trabalhadores sofrem “diversos problemas operativos e casos de acidente ou pressão porque a gente não tem cobertura para poder resolver como a gente tinha antigamente”.
“A gente tem casos de atropelamento ou suicídio que são recorrências. Toda semana tem. E são casos em que alguns deles poderiam ser evitados se tivesse alguém ali para avaliar. A gente tem treinamento para poder averiguar esses casos de possíveis suicidas. Mas a gente fica sozinho. Não tem como auxiliar as pessoas de prontidão no lugar da estação”, relata Carvalho.
“É mais difícil saber disso hoje, porque sabendo da situação que está nas estações, é muito difícil fazer o socorro. O metrô cancelou os treinamentos nossos para fazer o de resgate na via, para não ter que pagar um adicional por periculosidade elétrica, porque a gente desce na via, que fica desenergizada, mas tem um de eletrocussão. Os poucos funcionários que têm, não estão aptos a fazer esse tipo de resgate. Quem é apto é a segurança, que são poucos funcionários”, complementa o operador metroviário.
*BdF