A partir de dados da Missão Gold, da Nasa, pesquisadores conseguiram identificar estruturas que podem danificar a comunicação na superfície terrestre.
A cada dia, sinais de rádio dos principais satélites de comunicação e navegação viajam livremente através de uma camada da atmosfera terrestre conhecida como ionosfera.
Flutuando entre 80 e 643 quilômetros acima de nossas cabeças, sob as regiões mais baixas do espaço onde alguns satélites de comunicação orbitam, essa zona na alta atmosfera também abriga muitos enigmas não resolvidos — incluindo um em forma de alfabeto que tem o potencial de frustrar tudo o que esses sinais de rádio fazem para manter a vida em nosso planeta funcionando suavemente.
Os astrônomos sabem há algum tempo que sistemas em forma de X podem aparecer no plasma da ionosfera — um mar de partículas carregadas — após tempestades solares.
Eventos vulcânicos e condições meteorológicas extremas na Terra também podem causar o fenômeno. Grandes erupções, como a do Hunga Tonga-Hunga Ha’apai em janeiro de 2022, lançam partículas na atmosfera terrestre que chegam até o espaço. Ainda, tempestades e furacões podem criar ondas de pressão que alcançam a ionosfera.
Enquanto isso, durante a noite desses períodos ativos — quando a radiação solar não é tão forte — é quando bolhas de baixa densidade aparecem na ionosfera.
Analisando dados coletados pela missão Gold astrônomos encontraram características semelhantes em forma de X e Cs nunca antes vistos que surpreendentemente parecem ter aparecido durante “períodos tranquilos” quando não havia distúrbios atmosféricos, segundo novas pesquisas. As descobertas estão desafiando o que se sabe sobre como as estruturas incomuns podem se formar e seus potenciais impactos.
Os dados da missão estão ajudando os cientistas a ver “como a atmosfera da Terra é complexa” enquanto mostram que ela é mais variável do que se esperava, mesmo quando não há uma causa óbvia por trás dos distúrbios em forma de alfabeto na camada ionizada, disse Jeffrey Klenzing, cientista pesquisador que estuda a ionosfera no Goddard Space Flight Center da Nasa em Greenbelt, Maryland.
“Eu suspeitaria que isso sempre esteve acontecendo”, disse ele. “A questão tem sido basicamente que não tínhamos dados suficientes para realmente ver que isso está acontecendo.”
Obter uma melhor compreensão dos fenômenos em forma de letras pode ajudar os cientistas a desvendar a dinâmica entre a ionosfera e o clima — e como a interação pode representar riscos para as pessoas e sistemas na Terra.
Cristas em forma de X
A ionosfera nem sempre é uma camada de gás perfeitamente lisa e está em constante mudança. Ela se torna eletrificada quando a luz solar a atinge — a radiação solar remove elétrons dos átomos e moléculas para criar plasma que permite que as comunicações por rádio viajem longas distâncias.
Mas à medida que o Sol desaparece à noite, a ionosfera se torna mais fina e as partículas antes carregadas se acalmam e se tornam partículas neutras, segundo dados da Nasa. É nesse momento que bolhas podem se formar na ionosfera.
As linhas do campo magnético da Terra também carregam partículas carregadas flutuando livremente na atmosfera para duas faixas densas ao norte e ao sul do Equador conhecidas como cristas. Dadas as suas várias densidades, cristas e bolhas que se assemelham a diferentes formas dentro da ionosfera podem causar interferências nos sinais de comunicação e GPS.
A missão Gold, ou Global-scale Observations of the Limb and Disk, vem monitorando a ionosfera desde seu lançamento em janeiro de 2018. O satélite orbita a Terra na mesma velocidade em que o nosso planeta gira, viabilizando que a espaçonave permaneça em uma constante posição sobre o Hemisfério Ocidental.
A Gold detectou os sinais mais claros das características em forma de X e C em 2019, 2020 e 2021 — e em lugares inesperados. As evidências estão fazendo com que os pesquisadores questionem os potenciais efeitos dos Xs e Cs nos sinais de comunicação no futuro.
“A missão Gold da Nasa é a primeira a observar as formas alfabéticas de maneira inequívoca”, disse Fazlul Laskar, autor principal de um estudo sobre os formatos em X publicado em abril no Journal of Geophysical Research: Space Physics.
“Essas formas revelam que a ionosfera pode ser muito dinâmica às vezes, exibindo estruturas inesperadas”, acrescentou Laskar, cientista pesquisador no Laboratório de Física Atmosférica e Espacial da Universidade do Colorado. “Além disso, demonstra que o clima atmosférico inferior pode ter um enorme impacto na ionosfera.”
A observação da Gold de várias instâncias de formação dos Xs “durante condições de quietude geomagnética” — em vez de durante distúrbios atmosféricos, como tempestades solares ou clima terrestre, quando eram vistos anteriormente — agora diz aos cientistas que algum outro mecanismo deve ser responsável pela formação das formas, disse Laskar. Os modelos de computador apontam para mudanças na atmosfera inferior que puxam o plasma para baixo como uma possível explicação, de acordo com o estudo.
“A [aparência do] X é estranha porque implica que há fatores de condução muito mais localizados,” disse Klenzing, que não participou do estudo publicado em abril. “Isso é esperado durante os eventos extremos, mas vê-lo durante ‘tempo calmo’ sugere que a atividade da atmosfera inferior está dirigindo significativamente a estrutura da ionosfera.”
Bolhas em C nunca antes vistas
Separadamente, o Gold também observou bolhas de plasma em forma de C que podem ser influenciadas por outros fatores.
Normalmente, essas estruturas são longas e retas porque se formam ao longo das linhas do campo magnético da Terra. Mas algumas das bolhas se assemelham a formas curvas, que parecem Cs ou Cs invertidos, e os cientistas pensam que podem ser moldadas pelos ventos da Terra.
Enquanto as formas dessa letra podem se desenvolver se os ventos aumentarem com a altitude, os Cs invertidos podem se configurar se os ventos diminuírem com a altitude, de acordo com modelos de pesquisa.