Polêmica das eleições venezuelanas revela urgência em lutar pela descolonização mental do povo brasileiro

Polêmica das eleições venezuelanas revela urgência em lutar pela descolonização mental do povo brasileiro

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Trazer esta discussão à tona num país que não muito tempo atrás elegeu uma personalidade escatológica como Jair Bolsonaro, eleições de 2018 aliás que ocorreram na esteira do Lava-Jatismo (um das maiores imoralidades que o mundo do Direito já viu) parece um pouco missão ingrata. O risco do brasileiro continuar a aderir os discursos dominantes e se automutilar economicamente, intelectualmente e, sobretudo, politicamente continua alto apesar de termos superado “aparentemente” a ideologia fascista do bolsonarismo. A verdade é que o vírus que afeta o cérebro chamado de bolsonarismo continua a assombrar o tecido social tupiniquim. Uma lástima!

Em grande medida, o que podemos perceber é que a opinião pública brasileira continua sensível ao “ar de autoridade” que os grandes veículos monopolistas privados de comunicação dissimulam, em especial se essas meia-verdades  se somam às ideologias neopentecostais e do ecossistema fétido dos influenciadores de redes sociais financiados por think tanks estrangeiras.  Quando pensávamos que havíamos superado o imbróglio “tia e tio do Zap”, eis que o sistema se retroalimenta com a cobertura das eleições presidenciais na Venezuela para renovar o vacilo dos pobres de espírito.

As convicções de uma parcela significativa do povo brasileiro parecem oscilar ao sabor do vento. Isso não deveria e não seria um problema se estas convicções não saíssem dos domínios do “Zap da Igreja”. O problema é quando essas convicções ganham o tom daquele capaz de eleger pessoas como Jair Bolsonaro. Aí sim este é um problema público e notório. O que é de causar surpresa é que a população, parte significativa dela ainda, continue a cair nos mesmos discursos falsos que levaram o país ao Golpe de Estado de 2016 e do trágico governo de Jair Bolsonaro. Será que estas experiências não foram suficientemente fortes para estimular o desabrochar de um senso crítico acerca do sistema? Precisamos enfrentar mais uma leva de fascismo no país para então aprendermos com a “pedagogia da dor” ? Talvez isso tenha nome e seja masoquismo.

O que a esquerda brasileira tem a aprender com a forma como os brasileiros reagem à eleição de Nicolás Maduro para o seu terceiro mandato é que ainda temos um desafio enorme pela frente, a descolonização mental do povo brasileiro e também latino-americano de conjunto. Não é possível que os grandes veículos privados de comunicação continuem a ditar o “conhecimento” que o povo têm não só da sua política doméstica como a de países vizinhos. Em plena era da informação, nunca tivemos tanta desinformação como nos dias atuais. E pior, a ingenuidade perante o que, de fato, são os meios de comunicação privados ainda é de nos surpreender a todos. Será que muitos não entendem que os meios de comunicação privados se movimentam no sentido de salvaguardar interesses financeiros nem um pouco republicanos na intricada “dança geopolítica”? Qual o nosso problema?

O problema é a arrogância sem o devido conhecimento das coisas e pior, a arrogância sem a disposição e humildade de querer aprender. Quando iremos superar esta síndrome? O pomo da discórdia desta vez está na crença arraigada desde há muito (pelo menos desde o governo de Hugo Chávez) de que a Venezuela viveria uma “sanguinária” ditadura. Essa convicção ditada pelos meios de comunicação privados e munidos de um sem número de interesses geopolíticos, geoeconômicos e geoestratégicos desempenham um papel idêntico ao do Flautista de Hamelin. E essa é a oportunidade perfeita que os detentores do poder possuem para criar obstáculos que buscam deslegitimar todo e qualquer governo pautado pela soberania popular, afinal a forte acusação de que tal regime é uma ditadura parece soar como verdade factual aos olhos do povo sem que este tenha acesso ao contraditório, em especial se este anúncio casa perfeitamente com os interesses de instituições financeiras que colocam a CNN e outros impérios da dissimulação no ar.

O que nunca será mostrado nestes veículos é o óbvio, o conhecimento do povo venezuelano acerca de sua própria História o faz eleger quantas vezes for necessário o “sanguinário” Maduro. Para os que ainda desejam negar a realidade, há sempre o seguinte “porém” expresso pela seguinte frase: “Se a Venezuela é tão boa, por que ela produz tantos refugiados?”. Ora, a frase é transmitida com ares de autoridade, como se verdade absoluta fosse. O que é de causar espanto é quando alguns dos defensores destes slogans anti-Venezuela se quer saibam situar o país no mapa da América do Sul. O que não se transmite nos grandes veículos de comunicação atualmente é que os maiores centros dispersores de imigrantes por motivos socioeconômicos e até políticos são: México (11,8 milhões de pessoas buscando alternativas de vida nos EUA) seguido por Colômbia (único país da América Latina a fazer parte da OCDE e – PASMEM- da OTAN) com seus mais de 2 milhões de refugiados econômicos que se dirigem INCLUSIVE para a Venezuela e, para fechar com chave de ouro, a “gloriosa” El Salvador governada por um legítimo herói dos demagogos da “democracia” e “liberdade”, o ditator da Extrema Direita Nayib Bukele. Se a “El Salvador”, atual paraíso da Extrema Direita e dos libertários econômicos é o paraíso, por que mais de 1,3 milhões buscam refúgio em outros países? El Salvador ocupa a terceira colocação dos três maiores centros dispersores de seres humanos no continente americano.

Mas estes dados não são suficientes, o “porém” do direitista agora é a de que Nicolás Maduro quer se perpetuar no poder, afinal caminha para o seu terceiro mandato. A sensação de perpetuação no poder também se confunde com o desconhecimento que um mandato presidencial na Venezuela possui, pela constituição venezuelana anterior à Maduro um prazo de 6 anos. Além disso, a legislação local permite a reeleição indefinida. Em geral, estas informações costumam desaparecer dos debates. Agora, a pergunta que não quer calar: o que leva o povo da Venezuela a perpetuar Nicolás Maduro com um apoio convicto e permanente de mais de 50% da população venezuelana a ponto deste ser reeleito pela terceira vez num pleito que inclusive teve uma margem apertada de votos? Não, não pense que é tão simples fraudar eleições, Bolsonaro no Brasil é prova cabal disso, tentou impedir eleitores no pleito de 2022 e achou por bem fugir para o resort de Mar-A-Lago em Miami (Flórida) nos meses subsequentes ao 8 de janeiro, uma fuga arquetípica dos ditadores caudilhistas da América Latina quando não encontram sucesso em suas manobras políticas. A verdade é que a manobra bolsonarista não contava com 100% de adesão das forças armadas locais. Ainda assim, Bolsonaro caminha livre, leve e solto mesmo tendo sido, ao menos, o mentor intelectual de uma das situações mais graves que a História do Brasil já registrou em tempos recentes, a tentativa de se impedir nordestinos de ir às urnas. Em qualquer país sério do Mundo, uma situação de tamanha gravidade levaria as principais lideranças à cadeia. O Brasil, certamente, há de ser uma “democracia” muito linda e limpinha perto da venezuelana…

A verdade é que na Venezuela, ainda que colocassem um cachorro filiado ao Partido PSUV, este seria eleito e reeleito indefinidamente enquanto a Direita local quisesse disputar. Devemos incriminar estes venezuelanos  que são maioria por sentirem ojeriza da Direita local? Por que? O povo venezuelano sabe mais do que ninguém o que a Direita e as oligarquias locais são capazes. Basta uma pequena busca nas redes sociais e logo documentários que retratam os crimes hediondos da Direita venezuelana virão à tona quando esta tentou aplicar um Golpe de Estado em 2002, um golpe que envolvia a tática de alvejar com tiros de fuzil manifestantes pacíficos nas ruas de Caracas para incriminar Hugo Chavez e removê-lo do poder. Esta realidade poderia facilmente passar-se como teoria conspiratória não fosse o fato de tudo ter sido flagrado em vídeo e o golpe do “Temer venezuelano”, o então presidente da FEDECÁMARAS, Pedro Carmona se ver obrigado a fugir para os EUA assim que o povo venezuelano descobriu a verdade. Por que devemos achar que o venezuelano quer ver esta gente que é capaz de fazer isso voltar ao poder?

Que culpa os venezuelanos têm de odiarem tanto a oposição ao Chavismo? Cada povo sabe onde o calo aperta, esta talvez seja uma das frases mais sábias do pensamento popular. Não, nós brasileiros não podemos de forma alguma aderirmos a esta tese de “Maduro ditador”. A crença neste discurso é o que desejam os donos do poder econômico. Por que devemos aceitar? Seriam os outros países o suprassumo da Democracia? Devemos desafiar as visões impostas verticalmente e entendermos de uma vez por todas que as relações sociais aqui e acolá são pautadas por uma guerra de interesses materiais onde quase sempre a Direita irá dispor de maior volume de recursos para criar o horizonte de eventos que mais lhe interessa. Quando um país periférico consegue desafiar esta lógica da dominação cultural do Ocidente, iremos aderir com esta facilidade o discurso dominante?

“Ah mas três mandatos seguidos no poder é ditadura”, diriam os críticos. Agora eu gostaria de saber quem criou a tese de que Democracia é prova de revezamento de partidos e políticos? Democracia, nos termos de Jean-Jacques Rousseau ou se preferir John Locke significa a vontade consciente da maioria do povo. O nosso esforço no Brasil deve se pautar por lutar pela formação política de nossa gente. Só assim para não sermos vítimas de nossa própria ignorância. Mais repúdio a Maduro na Venezuela só fortalece Bolsonaro e a Extrema Direita e o contrário disso, mais repúdio a Bolsonaro e mais repúdio ao discurso da Extrema Direita significam mais descolonização mental da síndrome do viralatismo que nos assola há décadas. Já é hora do povo acordar para a vida!

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