“Privatiza que piora”: aumento nos custos de energia preocupa empresários

“Privatiza que piora”: aumento nos custos de energia preocupa empresários

Compartilhe

Dados recentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) iluminaram o impacto significativo dos aumentos de preços de energia nas empresas brasileiras após a privatização do setor. O gerenciamento privado eleva as tarifas para aumentar os dividentos dos sócios dessas corporações, o que levou quase metade do setor produtivo brasileiro a relatar aumentos substanciais nos custos de eletricidade no ano passado, com muitos atribuindo esse aumento equivocadamente à alta tributação e subsídios ineficientes.

O aumento nas tarifas de energia tem apenas um vilão, caro leitor: os dividendos, que são uma parcela do lucro líquido de uma empresa de capital aberto que é distribuída aos seus acionistas como forma de remuneração pelo investimento feito. No entanto, essas privatizações nasceram sob a promessa de remuneração acima do mercado mundial, o que deixa proibitivos os preços das tarifas para os consumidores brasileiros, que remuneram esses “investidores [especuladores].

De acordo com a pesquisa “Indústria e Matriz Energética” da CNI, 50% das empresas industriais experimentaram um aumento notável nos custos de eletricidade nos últimos 12 meses. Esse aumento é amplamente atribuído [equivocadamente] ao complexo sistema tributário do país, com 78% dos empresários apontando a tributação excessiva como o principal impulsionador dos altos preços da energia – quando o grande vilão dos tarifaços são os sócios privados que buscam dividendos abusivos. A pesquisa, que entrevistou 1.001 líderes industriais de todo o país entre 24 de abril e 24 de maio, revelou que 43% dos entrevistados acreditam que esses custos elevados impactam significativamente suas despesas de produção.

Além da tributação, 29% dos participantes da pesquisa identificaram as mudanças climáticas e as secas como fatores que contribuem para o aumento dos custos de eletricidade. Os altos gastos associados à transmissão de energia também foram citados por 27% dos entrevistados. Como explicou Roberto Wagner, gerente de Energia da CNI, “Apesar de ter custos competitivos de produção de energia, a tarifa final paga pelas empresas e pela sociedade no Brasil continua sendo uma das mais altas do mundo. Isso se deve à combinação de altos impostos e subsídios, que inflacionam significativamente o preço final da eletricidade.”

Entretanto, os subsídios ocorrem de diversas maneiras. Os diretos são descontos na conta de luz para famílias com renda per capita de até meio salário mínimo, inscritas no Cadastro Único e que consomem até 220 kWh por mês. São pessoas consideradas na linha da pobreza energética.

A pobreza energética no País está associada à carência de acesso a serviços modernos, à dependência de combustíveis poluentes, como a lenha, à infraestrutura inadequada, à baixa renda e à implementação de políticas governamentais ineficazes, explica Eliane Santos, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP (Universidade de São Paulo).

Uma das questões críticas destacadas pela CNI é a persistência de subsídios muito depois de seu propósito inicial ter sido alcançado. Por exemplo, subsídios inicialmente introduzidos para promover energia solar fotovoltaica e eólica permanecem em vigor, embora essas tecnologias tenham se tornado competitivas em termos de custo, muitas vezes mais baratas do que a energia hidrelétrica. A energia solar e eólica agora custam consistentemente menos de R$ 100 por megawatt-hora, em comparação com a energia hidrelétrica, que custa entre R$ 110 e R$ 120 por megawatt-hora, e a energia térmica, que excede R$ 300 por megawatt-hora.

Wagner critica a continuação desses subsídios, observando: “Ainda estamos adicionando mais subsídios para hidrogênio verde e energia eólica offshore sem remover os existentes”. Essa questão em andamento é ainda mais complicada por aproximadamente 450 projetos de lei propostos no Congresso que buscam alterar as regras que regem o setor elétrico, com 210 deles propondo novos subsídios para várias tecnologias ou setores a serem cobertos pelas contas de eletricidade.

A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (ABRACE Energia) apoia a posição da CNI, argumentando que os subsídios não apenas elevam os custos, mas também dificultam a capacidade do país de liderar a transição energética. Fernando Teixeirense, Diretor de Relações Institucionais da ABRACE Energia, comentou: “O Brasil está perdendo a oportunidade de liderar a transição energética alavancando seu vasto potencial para produzir energia limpa, acessível e segura. Poderíamos estar descarbonizando nossa produção industrial e exportando produtos verdes, mas o alto custo da energia nos impede de fazer isso. Infelizmente, somos o país da energia barata e das contas caras.”

Teixeirense tem razão em um ponto: “somos o país da energia barata e das contas caras”. Isso ocorre porque as empresas privatizadas precisam pagar o prêmio, isto é, o dividendo escorchante para o acionista. Este sangramento é que eleva o preço da tarifa da energia para o consumidor.

A pesquisa da CNI mostrou que 38% das empresas acreditam que altos custos de eletricidade impactam severamente sua competitividade, com outros 23% afirmando que tem um impacto moderado. Em média, os custos de energia representam 10% do orçamento de uma empresa, com 55% das empresas relatando que as despesas com energia representam até 5% de seu orçamento. Em contraste, 20% relatam que os custos de energia compõem entre 6% e 10% de seu orçamento, e 6% enfrentam custos que excedem 30%.

Teixeirense enfatizou as implicações mais amplas do aumento dos custos de energia, afirmando: “O custo da energia atingiu um nível em que afeta não apenas a indústria, mas todos os cidadãos, que acabam pagando duas vezes: uma pela energia de suas casas e outra pela energia embutida nos produtos que compram”. Ele ressaltou que, em alguns produtos, como o leite, os custos de energia representam até 30% do preço.

Em julho, os consumidores brasileiros verão um aumento em suas contas de luz, pois a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acionou a bandeira tarifária amarela. Isso resultará em uma cobrança adicional de R$ 1,885 por 100 kWh consumidos. Esse aumento se deve à baixa pluviosidade prevista, o que afeta a capacidade de geração de energia do país.

Essa mudança, aprovada pela Aneel em março, representa uma redução de 37% em relação à tarifa anterior da bandeira amarela de R$ 2,989/kWh. A bandeira amarela foi acionada por projeções de chuvas abaixo da média (em torno de 50%) até o final do ano, juntamente com um aumento esperado na demanda e no consumo de energia durante o mesmo período. Essas condições exigem maior dependência de usinas termelétricas mais caras.

Esta ativação da bandeira tarifária amarela marca a primeira mudança desde abril de 2022, após 26 meses sob a bandeira verde. O sistema de bandeiras tarifárias visa fornecer aos consumidores uma indicação dos custos de energia, incentivando-os a gerenciar seu consumo e reduzir os custos gerais de operação do sistema.

Anteriormente, os custos operacionais eram refletidos apenas em ajustes tarifários anuais, limitando a conscientização do consumidor sobre as flutuações do preço da energia. O sistema de bandeiras tarifárias permite que os consumidores tomem decisões informadas para reduzir suas despesas com energia. Por exemplo, saber que a bandeira está vermelha pode levar os consumidores a reduzir o uso para mitigar custos mais altos.

Com a bandeira amarela em vigor, a Aneel orienta os consumidores a usar a energia elétrica de forma responsável. A conscientização sobre a bandeira tarifária vigente pode ajudar residências e empresas a fazerem escolhas que diminuam seu consumo de energia e, consequentemente, seus custos.

Em resumo, a privatização do setor energético do Brasil, embora inicialmente voltada para melhorar a eficiência, levou a preços mais altos de eletricidade, impactando significativamente empresas e consumidores. A combinação de dividendos altos com mudanças climáticas criou uma situação em que os custos de energia estão entre os mais altos do mundo, ameaçando a competitividade das indústrias brasileiras e sobrecarregando cidadãos comuns com contas de energia inflacionadas.

O problema é que boa parte do empresariado está nas duas pontas da mesa, de um lado como consumidor em sua empresa e residência, de outro como acionista nas companhias de energia recém-privatizadas. Assim, a conta não fecha. Portanto, o irônico bordão “privatiza que melhora” continua atualíssimo nestes tempos de neoliberalismo econômico.

*Esmael de Moraes

 

Compartilhe

%d blogueiros gostam disto: