Lula e Itamaraty tiveram papel fundamental na libertação de Assange, afirma advogada e ativista

Lula e Itamaraty tiveram papel fundamental na libertação de Assange, afirma advogada e ativista

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Presidente brasileiro foi primeiro chefe de Estado a tratar o fundador do WikiLeaks como um preso político e mobilizou outras lideranças a seu favor, recorda Sara Vivacqua.

A libertação de Julian Assange foi uma notícia que surpreendeu o mundo. Após um anúncio sem maiores detalhes, somente nesta terça-feira (25/06), um dia após o ativista digital australiano deixar o território britânico, começam a surgir os primeiros detalhes do acordo entre os advogados de defesa e o governo dos Estados Unidos, que permitiu sua saída da prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres.

Entre os elementos que levaram à liberdade de Assange está a atuação do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e do Itamaraty. Ainda que não tenha sido diretamente envolvido na negociação final que determinou a liberdade do fundador do WikiLeaks, o mandatário agiu fortemente em favor da causa e foi um reforço fundamental para a pressão internacional que levou o governo dos Estados Unidos a desistir da intenção de extraditá-lo.

Quem conta maiores detalhes a respeito desse caso é Sara Vivacqua, que é advogada no Reino Unido e responsável pela campanha a favor da liberdade de Assange no Brasil, além de correspondente do site Diário do Centro do Mundo (DCM).

Em entrevista a Opera Mundi, Sara destaca o papel de Lula como primeiro chefe de Estado de maior relevância no mundo que qualificou Assange como preso político.

“O Lula teve a coragem de falar do caso do Assange em cenários emblemáticos: na Assembleia Geral da ONU, na coroação do rei Charles III (…) isso tem um impacto importante pela história do presidente. O Lula foi o primeiro caso de uma pessoa que venceu uma guerra híbrida contra os Estados Unidos”, comentou a advogada mineira radicada em Londres.

Leia a entrevista na íntegra:

Opera Mundi – qual foi o papel desempenhado pela diplomacia brasileira nos esforços para a libertação do Assange? Houve envolvimento do próprio presidente Lula?

Sara Vivacqua – Houve uma grande mobilização da alta diplomacia brasileira, eu fui uma das pessoas que fez parte dessa articulação. Claro que a gente não podia falar muita coisa, agora estamos mais livres para revelar esses detalhes, mas a primeira iniciativa foi uma turnê que fizemos pela América Latina, na qual nos reunimos com cinco presidentes: além de Lula, o Alberto Fernández (Argentina), o Luis Arce (Bolívia), o López Obrador (México) e o Gustavo Petro (Colômbia).

O presidente Lula nos recebeu ainda durante o período de transição (em 2022), em uma articulação que eu fiz em conjunto com o MST, para nos reunirmos não só com o presidente, que era presidente eleito naquele então, mas também para fazer um evento no Congresso e em outros espaços importantes.

A atuação do Lula foi fundamental porque já nesses primeiros encontros ele se referiu ao Assange como preso político. Isso foi algo muito grande, nenhum outro chefe de Estado dessa envergadura tinha usado esse termo. Depois disso, o López Obrador também falou no Assange como preso político e outros líderes mundiais começam a tomar posição, exceto na Europa, onde muitos países tratam o caso do Assange como um tema proibido e isso acontece até hoje. E quando falo de “países” me refiro aos governos dos países europeus, que têm medo de tocar nesse assunto.

O Lula despertou uma ruptura com um consenso. Ele também recebeu uma delegação do WikiLeaks, e foi a primeira vez que o WikiLeaks foi recebido oficialmente por um chefe de Estado. Antes disso, o pai e o irmão do Assange já haviam se encontrado com outros líderes, mas é diferente você receber os representantes do WikiLeaks, porque já não se trata de um gesto de compaixão apenas à pessoa, tem a ver com a defesa da causa que ela representa.

Nesse encontro com o WikiLeaks, o Lula se refere ao Assange como um preso político, e isso tem um impacto importante pela história do presidente.

O Lula foi o primeiro caso de uma pessoa que venceu uma guerra híbrida contra os Estados Unidos. Em outros países, há pouca noção sobre o que é uma operação de lawfare, é preciso explicar para as pessoas que o sistema de justiça pode ser usado em operações políticas. Essa compreensão já existe no Brasil, e eu não conheço outro caso tão vitorioso de vitória contra um caso de guerra híbrida como o do Lula, em tão pouco tempo.

Esse movimento de líderes mundiais a favor do Assange, despertado pelo Lula, ocorreu apenas na América Latina?

Não somente na América Latina, e eu acho que o mais importante de todos foi o da Austrália. Depois que o Lula diz ao mundo que o Assange é um preso político o próprio país onde o Assange nasceu resolve tomar uma posição, seu primeiro-ministro se pronuncia para pedir pela sua liberdade.

Ter uma pessoa com o prestígio internacional do Lula dizendo que o Assange é um preso político, tendo sido ele mesmo (Lula) um preso político, começa mudar as percepções.

Depois, junto com a Comissão Arns, em um trabalho no qual eu também participei com o Paulo Sérgio Pinheiro e outras importantes figuras, foi feita uma apresentação na Organização das Nações Unidas (ONU). O Lula inclui parte desse trabalho nos argumentos que apresentou para defender o Assange na Assembleia Geral da ONU, algo que foi um marcador de águas, o primeiro chefe de Estado a falar sobre o caso nesse cenário internacional.

O Lula também defendeu o Assange em sua visita a Londres para a coroação do rei Charles III, pouco depois de se encontrar com o primeiro-ministro Rishi Sunak. Nessa ocasião, eu mesma, como correspondente do DCM, participei da coletiva e perguntei ao presidente sobre o caso. Ele novamente falou do Assange como preso político e declarou, em solo britânico, que o governo do Reino Unido estava cometendo uma ilegalidade.

Nessa mesma ocasião da visita do Lula a Londres, eu fiz uma entrevista com o Celso Amorim (assessor especial da Presidência para assuntos internacionais), no hotel da comitiva brasileira, e após finalizá-la pedi a ele se o Itamaraty poderia encaminhar uma carta da Stella (Assange, esposa do ativista australiano) ao Papa Francisco. Três dias depois dessa conversa, a Stella estava sendo recebida no Vaticano, consolidando mais um apoio que foi fundamental para reforçar a campanha em favor da liberdade do Assange.

A somatória desses episódios ajudou muito a criar um ambiente político, encorajou os próprios australianos a lutarem pela liberdade de um dos seus compatriotas. Claro que não podemos atribuir a decisão final a um só fator, mas eu não tenho dúvidas de que a atuação do Lula e da diplomacia brasileira nesse episódio tiveram um papel fundamental.

Como foram as negociações que resultaram na libertação do Assange? Quais foram os detalhes cruciais na concretização do acordo?

Eu pude acompanhar essa negociação de perto e hoje posso dizer que esta foi uma negociação que durou praticamente um ano, mas que se desenvolveu em sigilo, era algo que nós não podíamos trazer para o público.

Esses acordos são uma verdadeira caixinha de surpresas. Mesmo depois de meses de conversações, somente a partir de 19 de junho a possibilidade de libertação do Assange se tornou algo que podíamos ver como próximo, que podia acontecer a qualquer momento.

Apesar de eu ter acompanhado de perto, eu não sei de todos os detalhes, porque envolve muita gente, representantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o WikiLeaks, os advogados de defesa. A própria Stella só soube que ele seria libertado no domingo (23/06), e então decide viajar para a Austrália com a esperança de encontrá-lo.

Agora começa uma nova etapa. O Assange terá que ir até Saipan, nas Ilhas Marianas do Norte, que é território norte-americano. Ele vai ter uma audiência na qual deverá assinar uma declaração, na qual se assume como “culpado da acusação de ter conspirado contra o governo dos Estados Unidos, junto com a Chelsea Manning, para revelar segredos militares”. O texto foi escrito sob medida pelo Departamento de Justiça norte-americano, que se comprometeu a dar a ele uma pena de cinco anos de prisão, e a considerar que essa pena já foi cumprida no período em que ele passou em Belmarsh.

O acordo só terá validade depois que o juiz local homologar essa declaração, e a partir de então ele não poderá fazer qualquer pronunciamento ou gesto que desminta o que está na declaração. Há uma série de outras regras bem rígidas. E claro, o governo dos Estados Unidos aproveitou para dar o seu recado sobre o que acontece com aqueles que ousam revelar seus segredos.

Depois de cinco anos sofrendo com uma prisão em condições desumanas, com torturas físicas e psicológicas, ele aceitou esse acordo que não é justo, ele sabe que não é justo, mas preferiu trocar essa injustiça pela sua liberdade, o que do ponto de vista humano acho que é bastante compreensível. Nós sabemos o que ele viveu naquela prisão, que sua vida esteve em risco por diversas vezes.

Quais serão os próximos passos desse caso? O que vai acontecer com Assange depois da viagem às Ilhas Marianas?

Depois que o acordo for homologado ele se torna um homem livre. Sabemos que após essa audiência ele vai voltar para a Austrália, deve passar seus primeiros dias de liberdade em família, o que é natural. Depois, o que ele vai fazer, em que pretende dedicar o resto da sua vida, o que pretende fazer com essa liberdade, é algo que ele vai ter que decidir.

Não há outras restrições impostas pelo acordo? Ele permite, por exemplo, que o Assange possa sair da Austrália e visitar outros países?

Não sabemos. Alguns detalhes sobre esse acordo nós só conheceremos com o passar do tempo, quando os advogados de defesa puderem revelar, e se eles puderem revelar. Acho que há cláusulas que nós nunca saberemos.

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