Pesquisa Datafolha mostra que, de fato, o PL do Estuprador foi um tiro no pé para a bancada fundamentalista da Câmara. Se o objetivo era mobilizar o conservadorismo brasileiro em favor da punição de mulheres e meninas violentadas, a opinião pública aponta que o resultado obtido foi o contrário: dois em cada três brasileiros e mais da metade dos evangélicos rechaçam a proposta.
No público em geral, 66% se disseram contrários e 29% favoráveis; 4% não sabem e 2% se disseram indiferentes. O projeto 1904/24 é conhecido por 56%, dos quais 24% ser consideram bem informados, 27% mais ou menos e 4% mal informados.
No recorte religioso, o Datafolha aponta que 57% dos evangélicos rechaçam a matéria, contra 37% que apoiam; 52% afirmam ter conhecimento sobre o projeto, contra 48% que desconhecem. Esse segmento religioso representa 30% dos entrevistados.
No caso do público católico — equivalente a 49% dos entrevistados —, o rechaço é ainda maior: 68%, com 28% dizendo ser favoráveis; 55% dizem saber do PL e 45% dizem não saber.
A pesquisa também mostra que as mulheres são a maioria dos que indicam contrariedade em relação ao projeto: 69%, contra 62% dos homens. No campo dos favoráveis, os homens somam 34% e as mulheres, 25%.
Ainda de acordo com o Datafolha, 38% defendem a proibição total do aborto; 34% dizem que a lei deve continuar como está e 24% acham que o acesso deve ser ampliado.
Mobilização
Os números trazidos pelo levantamento apontam que, embora a sociedade brasileira seja majoritariamente conservadora em questões morais, até mesmo para esse segmento, o projeto foi longe demais.
A proposta, de autoria do deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), com a assinatura de outros 31 parlamentares, equipara o aborto após 22 semanas de gestação, em qualquer das situações previstas em lei, ao crime de homicídio e propõe que quem fizer tal procedimento após o prazo estipulado pode ser punida com até 20 anos de cadeia, condenação que equivale ao dobro da máxima estabelecida para os estupradores, segundo o Vermelho.
A aprovação-relâmpago do requerimento de urgência para a tramitação da matéria provocou uma onda de repúdio. Entidades, celebridades, lideranças políticas e de diversos segmentos e movimentos sociais e mesmo religiosos demonstraram repúdio à absurda proposta e manifestações tomaram as ruas de várias cidades do Brasil.
“Uma mobilização poderosa e legítima, liderada e protagonizada por mulheres, mas que envolve toda a sociedade, para deixar ao Congresso Nacional o seguinte recado: parem de votar matérias que criminalizam mulheres”, disse a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Companheiro de bancada, Orlando Silva (SP) destacou que o projeto “é uma aberração política e moral” e que “ofende princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e da vedação ao retrocesso”.
A pressão social levou a um recuo por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) quanto à urgência da tramitação. Nesta semana, ele afirmou que após o recesso parlamentar, em agosto, será criada uma “comissão representativa” para analisar a proposta — até lá, a tramitação fica parada. No entanto, a luta dos que defendem os direitos das mulheres e meninas continua, no sentido de buscar o arquivamento da proposta.