A Brigada Militar do Rio Grande do Sul não poupa mulheres e crianças vítimas das enchentes, nem respeita parlamentares eleitos pelo povo. Numa ação truculenta nesta chuvoso domingo (16), a BM expulsou cerca de 200 pessoas que haviam ocupado um prédio do estado, no centro de Porto Alegre, abandonado desde 2013, após perderam suas moradias nas inundações de maio. A vereadora Biga Pereira (PCdoB), que acompanhava a ação em defesa das famílias da ocupação, chegou a ser agredida por brigadianos.
As famílias — provenientes principalmente da Zona Norte da capital gaúcha e de cidades como Canoas e Eldorado do Sul, áreas que figuram entre as mais afetadas na Região Metropolitana — haviam ocupado o prédio onde funcionara a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam) na madrugada anterior, sob a liderança do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).
O nome da ocupação, Sarah Domingues, foi uma homenagem à estudante de arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul assassinada no começo deste ano, na Ilha das Flores, justamente quando documentava os efeitos de chuvas anteriores na região das Ilhas, uma das mais vulneráveis de Porto Alegre.
Conforme noticiado, o despejo aconteceu sem ter sido apresentada decisão judicial e sem permissão de acesso à Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE). Por integrar a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana na Câmara Municipal, a vereadora Biga Pereira foi ao local para tentar intermediar as negociações e evitar a ocorrência de atos violentos.
Vídeos publicados nas redes sociais mostram o momento em que a parlamentar é puxada, segurada pelos punhos e empurrada por um dos brigadianos. “Acabo de ser agredida pela Brigada Militar na reintegração de posse desumana e truculenta na ocupação Sarah Domingues, no centro da cidade, O povo de PoA está sem casa, perdeu tudo e essa é a resposta? Absurdo!”, denunciou Biga pelas redes sociais.
Após o ocorrido, a vereadora e uma de suas assessoras, Thaís Alves, secretária de Comunicação da Juventude Pátria Livre (JPL) e também agredida, registraram boletim de ocorrência.
Relatos apontam que gás de pimenta foi usado pela BM; crianças e mulheres foram atingidas e depois tiveram de ficar na rua, sob chuva, até serem levadas em ônibus da BM até o Palácio da Polícia. “Chegaram com porrada na porta para derrubar, causando mais estrago do que as pessoas que estavam lá dentro”, disse, ao site Matinal, Raiê Roca Antunes, integrante do MLB.
Repercussão
Em nota, a Bancada do PCdoB na Câmara de Porto Alegre denunciou a truculência de agentes da Brigada e se solidarizou com os movimentos de moradia, ressaltando que “em 2023, o próprio governo do estado lançou uma ferramenta que mapeou os 12.647 imóveis de propriedade do Estado. Destes, cerca de 25,7%, ou seja um quarto, estão sem uso”.
A nota prossegue salientando que “as ocupações, como a Sarah Rodrigues ou a Maria Conceição Tavares, são soluções construídas e pensadas por uma população marginalizada, que aprendeu que não pode contar com o poder público, que mais uma vez lhe estende o cacetete ao invés da mão”.
Pelas redes sociais, a deputada federal Daiana Santos (PCdoB) declarou: “De maneira truculenta, a Brigada Militar realizou uma ação desastrosa de reintegração de posse na Ocupação Sarah Domingues”. E completou: “É inadmissível que mulheres sejam agredidas pela Brigada Militar!”.
Companheira de partido, a deputada estadual Bruna Rodrigues também reagiu: “A truculência que ultrapassa limites e direitos não cansa de nos surpreender negativamente! Nossa solidariedade à vereadora Biga Pereira que, em frente à ocupação Sarah Domingues, foi agredida pela Brigada Militar! Uma mulher, uma vereadora! O despreparo da Brigada Militar é mais uma vez sua arma mais letal contra população que luta pela política que falta: a habitacional. Ninguém ocupa porque quer!”.
Segundo o balanço mais recente da Defesa Civil do estado, divulgado na sexta-feira (14), aos chuvas que tiveram início no final de abril e se estenderam pelo mês de maio afetaram 478 municípios e levaram à morte de 176 pessoas; 39 ainda estão desaparecidas. Atualmente, ainda há mais de 422,7 mil pessoas desalojadas e 10 mil em abrigos.