O presidente da China, Xi Jinping, visitou, em maio, três países da Europa – França, Sérvia e Hungria – depois de cinco anos sem pisar em solo europeu. A visita se deu em um momento particularmente importante, marcado pelo aumento das pressões dos Estados Unidos para isolar a China das cadeias de abastecimento e dos mercados do Ocidente – leia-se EUA, União Europeia e Japão – e pelo aumento de tensões entre a União Europeia e a Rússia por conta na guerra na Ucrânia.
A viagem começou pela França, onde Xi Jinping foi recebido com grande deferência pelo presidente francês, Emmanuel Macron, em clara demonstração do respeito que a França tem pela China e do desejo de manter boas relações bilaterais. Seguiu para a Sérvia, que não é membro nem da União Europeia, nem da Otan, e terminou na Hungria, cujo primeiro-ministro é o aliado mais importante da China no bloco europeu.
Na pauta da discussão com o presidente francês estiveram presentes questões comerciais e a guerra na Ucrânia. A questão comercial mais sensível no momento são os carros elétricos. Os carros elétricos chineses pagam uma tarifa de 10% na União Europeia e concorrem diretamente com os fabricantes franceses (Renault, Peugeot) que produzem os carros elétricos de menor custo no mercado europeu, do qual dependem quase totalmente, diz o Vermelho.
Já os alemães, altamente dependentes do mercado chinês, preferem que os franceses comprem a briga. Segundo a Folha de S. Paulo (15/3), “Mais de um em cada três carros da Mercedes-Benz são vendidos na China, enquanto o país representou 40% das vendas de carros da Volkswagen no ano passado”. A UE utilizou uma nova lei antissubsídios para lançar uma investigação sobre as importações de veículos elétricos da China. A China, por seu turno, ameaçou sobretaxar os brandy europeus, sendo o cognac francês o mais famoso deles.
A visita à Sérvia se deu no contexto da comemoração de 25 anos do bombardeio da embaixada da China, em Belgrado, pelos Estados Unidos, em 1999, por ocasião da guerra que levou à dissolução a antiga Iugoslávia. A visita à Hungria era uma parada obrigatória por se tratar do principal aliado da China e da Rússia dentro da Otan e da União Europeia. Graças ao poder de veto da Hungria na União Europeia e na Otan, onde muitas decisões precisam ser tomadas por unanimidade, diversas medidas mais radicais contra a Rússia e China têm sido barradas.
A Sérvia e a Hungria são dois aliados importantes da China no continente europeu. Além de parceiros da China no projeto Cinturão e Rota, que financia projetos de infraestrutura – a China está ajudando a construir uma ligação ferroviária de alta velocidade entre Belgrado e a capital da Hungria, Budapeste – os dois países, particularmente a Hungria, que é membro da União Europeia, estão recebendo investimentos de empresas automobilistas chinesas que poderão, a partir das novas fábricas nesses dois países, abastecer o mercado europeu contornando as barreiras que estão em discussão em Bruxelas para barrar a entrada de veículos elétricos chineses no mercado europeu.
A conversa com Macron evidencia que a União Europeia procura estabelecer com a China um relacionamento baseado em seus próprios interesses, os quais não necessariamente coincidem com os dos Estados Unidos. Embora haja tensões comerciais entre o bloco europeu e a China, não é o espírito de ruptura que anima as discussões. Conforme destacou o Wall Street Journal (09/5/2024), “Os líderes europeus tendem a agir com cautela com Pequim, não querendo comprometer os laços com um importante parceiro comercial.” Uma eventual vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas em novembro próximo, que levaria a uma escalada ainda mais protecionista dos Estados Unidos, tornaria a parceria China-União Europeia ainda mais importante para as empresas chinesas e europeias.
Segundo o analista do Financial Times (07/5/2024), Gideon Rachman, “a China quer muito perturbar a unidade tanto da Otan (a aliança militar ocidental), quanto da União Europeia (UE). Cada um dos países que Xi está visitando é visto como uma alavanca potencial para abrir uma brecha no ocidente. Em uma visita recente a Pequim, encontrei especialistas em política externa chineses fascinados pela discussão francesa sobre a necessidade de a Europa alcançar “autonomia estratégica” em relação aos EUA. Em um discurso em Paris no mês passado, Emmanuel Macron, presidente da França, disse que a Europa nunca deve ser uma “vassala dos Estados Unidos” – o que é também o tipo de linguagem favorita da China’.