Punição mais dura do que é prevista para o crime de estupro está pautada em projeto de Lei, em análise na Câmara dos Deputados, que equipara o aborto após a 22ª semana ao crime de homicídio.
O projeto de lei que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), prevê uma pena muito mais dura à mulher que fizer o procedimento, hoje protegido por lei, do que para o homem que a estuprou.
Segundo o texto, o aborto será igualado ao artigo 121 do Código Penal, de homicídio simples, que estabelece pena de prisão de seis a 20 anos. Enquanto que o crime de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, tem como pena mínima seis anos e máxima que pode chegar a apenas 10 anos, quando a vítima é adulta. Mesmo no caso de vítimas menores de idade, a pena, apesar de subir para oito anos a mínima, chega a no máximo 12 anos.
No caso do estupro de vulnerável, quando a vítima tem menos de 14 anos ou é incapaz de oferecer resistência, a pena mínima é de oito anos de reclusão e o tempo máximo passa para 15 anos. Somente quando o crime é praticado contra vulnerável e resulta em lesão corporal grave que a pena pode chegar a 20 anos, como está sendo prevista pelo PL do parlamentar bolsonarista. Uma reportagem do portal g1 mostra que, caso o projeto seja aprovado, uma mulher adulta vítima de estupro que interrompa a gestação após a 22ª semana, pode ser condenada a 20 anos de prisão, enquanto seu estuprador pode ficar seis anos preso.
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PL equipara aborto a homicídio
Além da discrepância, o Projeto de Lei 1904/2024 altera uma garantia já conquistada. Isso porque atualmente, o Código Penal garante às brasileiras o direito de interromper a gestação em caso de estupro e risco à vida. E em 2012, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu a permissão para casos de anencefalia fetal. Em todos os casos não há limite de tempo para interromper voluntariamente a gestação.
O texto bolsonarista, porém, estabelece que o aborto seja equiparado ao homicídio tanto quando a pessoa provocar aborto em si mesma ou consentir que um terceiro provoque; quanto nos casos em que o aborto for provocado por outra pessoa com ou sem seu consentimento. No primeiro caso a pena de prisão pode passar de um a três para seis a 20 anos. Já no seu segundo, o PL altera a detenção de um a quatro anos para seis a 20 anos. A mesma pena fixada para quem realizar aborto sem consentimentos, hoje fixada de três a 10 anos.
Votação nesta quarta
A proposta estabelece que mesmo nos casos previstos em lei, como gestação resultante de estupro, o aborto será criminalizado após a 22ª semana. O projeto de Sóstenes Cavalcante é assinado por outros 31 deputados, como o presidente da Bancada Evangélica, Eli Borges (PL-TO). As bancadas bolsonarista e evangélica apontam que a medida, em análise na Casa Legislativa, deve passar com “mais de 300 votos”. A previsão é que o texto seja votado nesta quarta (12) com urgência.
Organizações da sociedade civil, contudo, vêm se opondo ao PL. Nesta terça-feira (11), grupos feministas e em defesa da vida lançaram a campanha Criança Não é Mãe. Os movimentos sociais avaliam que as meninas serão as “principais afetadas” pelo projeto.
‘PL da Gravidez infantil’: reação
“No Brasil, a gente tem dados alarmantes de estupros de meninas nessa faixa etária, e que é uma população que tem uma maior dificuldade para identificar a gestação ou até mesmo comunicar sobre ela à sua cuidadora, ao seu cuidador, porque dentro das famílias que ocorrem os principais casos de estupro”, explicou a assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Clara Wardi.
Em nota, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou que não é por acaso que o projeto tem sido chamado de “PL da Gravidez infantil”. A titular da pasta destaca dados do Sistema Único de Saúde (SUS) que indicam que, em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil. “(Isso) mostra o desafio que é para uma menina acessar o direito ao aborto legal no país”. Esse cenário se agrava ainda com o PL do deputado bolsonarista. “Visto que o país vive uma epidemia de abuso sexual infantil”, ressaltou.
“Não podemos revitimizar mais uma vez meninas e mulheres vítimas de um dos crimes mais cruéis contra as mulheres, que é o estupro, impondo ainda mais barreiras ao acesso ao aborto legal, como propõe o PL 1.904/2024. (…) Criança não é para ser mãe, é para ter infância, é para ser criança, estar na escola”, acrescentou a ministra.
*RBA