Flávio Bolsonaro é relator de PEC que pode privatizar praias; no Planalto, Jair Bolsonaro cobrou várias vezes criar “Cancúns brasileiras”
A movimentação do senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, para aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que dá margem à privatização de praias retoma uma obsessão do governo de Jair Bolsonaro. Cobranças do então presidente para criar “Cancúns brasileiras” mobilizaram ministérios e fizeram o ministro da Economia da época defender a venda de praias.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a principal da Casa, voltou nessa segunda-feira (27/5) a analisar uma PEC que pode privatizar áreas da União no litoral. Especialistas apontaram que o texto abre brechas na lei para criar praias privadas, além dos altos riscos ambientais. O relator, Flávio Bolsonaro, atua para aprovar o projeto. Como já teve o aval da Câmara, o texto vai à sanção presidencial caso seja endossado pelo plenário do Senado.
A gestão do litoral brasileiro é definida por uma lei de 1988, publicada às vésperas da promulgação da Constituição. O texto estabeleceu que “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas”.
Ainda durante a campanha presidencial de 2018, Bolsonaro já falava em transformar Angra dos Reis (RJ) em uma “Cancún brasileira”. A comparação insinuava que faltava ao Brasil a permissão para resorts e hotéis gigantes se instalarem em praias. Durante o governo, as falas foram ficando mais diretas.
“Nós podemos ser protagonistas de fazer com que a Baía de Angra seja uma nova Cancún. Temos um potencial enorme ali. Do que nós dependemos para começar a tirar esse sonho do papel? De uma caneta Bic, revogando um decreto, o decreto que demarcou a estação ecológica de Tamoios”, disse o então presidente em maio de 2019. Só naquele mês, ele abordou o assunto três vezes em público, diz Guilherme Amado, Metrópoles.
Em 2021, afirmou Bolsonaro: “Tenho proposta de um xeque [árabe] de investir US$ 1 bilhão ali [Angra dos Reis] para ser transformado em algo melhor que Cancún”. Naquele mesmo ano, o Ministério da Economia iniciou estudos para privatizar imóveis em praias. O projeto inicial foi batizado de “Praias do Brasil”, e teria participação também de outras pastas, a exemplo de Meio Ambiente, Infraestrutura e Turismo. Angra dos Reis estava na mira do projeto piloto, além de Maragogi (AL), Cairu (BA) e Florianópolis (SC).
A obstinação continuou no ano eleitoral de 2022. O então ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em um podcast em setembro daquele ano: “Tem um grupo de fora que quer comprar uma praia numa região importante do Brasil. Quer pagar US$ 1 bilhão. Aí você chega lá e pergunta: ‘Vem cá, vamos fazer o leilão dessa praia?’. ‘Não, não pode’. ‘Por quê?’. ‘Isso é da Marinha’”, afirmou Guedes, tido como um “superministro” de Bolsonaro. Alguns dias depois, o ministro recuou. Alegou que não queria vender praias, mas transferir ao setor privado terrenos da Marinha no litoral brasileiro, algo bem parecido na prática.
A menção constante de Jair Bolsonaro por Angra dos Reis envolve uma multa que o então deputado recebeu do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2012. Na época, Bolsonaro foi punido por pesca ilegal na região. Quando se tornou presidente, a multa foi anulada. O fiscal que aplicou a sanção afirmou que a anulação foi “açodada” e ocorreu num contexto “absolutamente atípico”, como informou a coluna.