A legislação beneficia aqueles que estão em terras públicas ocupadas de maneira irregular, o que inclui áreas julgadas devolutas.
(Folhapress) – Quase dois anos após entrar em vigor em São Paulo, a lei que entrega terras a fazendeiros com até 90% de desconto já tem processos em curso cujas áreas ultrapassam 1.300 parques Ibirapuera ou território superior ao da capital paulista.
O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) estima que a legislação tem potencial para triplicar essa área.
Isso porque a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) aprovou no fim de abril um projeto de lei que estendeu de janeiro deste ano para o fim de 2026 o prazo final para novos acordos entre fazendeiros e o governo.
A lei foi sancionada pelo ex-governador Rodrigo Garcia (na época, no PSDB) em 2022, mas passou a ser aplicada por Tarcísio, eleito com apoio do agro.
A legislação beneficia aqueles que estão em terras públicas ocupadas de maneira irregular, o que inclui áreas julgadas devolutas ou em vias de serem declaradas dessa maneira. Terras devolutas são áreas públicas que nunca receberam uma destinação específica por parte do poder público e jamais foram propriedade particular.
O governo, então, inicia uma ação de discriminação desses terrenos, dando preferência a quem os ocupa atualmente.
Até o momento já há 355 pedidos que abrangem a área de 205 mil hectares.
A previsão do governo é que ela possa chegar a 600 mil hectares até 2026. Para se ter uma ideia, essa área é equivalente a quase quatro cidades de São Paulo (que tem 152.100 hectares) ou cerca de oito Campinas (com 79.500 hectares).
O caminho dos processos é o seguinte: fazendeiros fazem os pedidos, analisados pelo Itesp (Fundação Instituto de Terras) e depois validados pela PGE (Procuradoria Geral do Estado).
Até agora, foram finalizados 64 processos relativos a 78 imóveis, em uma área que soma 33 mil hectares, território maior do que a de Guarulhos.
O limite máximo de área que pode entrar nos acordos é de 2.500 hectares -acima disso, é necessária a aprovação do Congresso Nacional, segundo a Constituição.
Críticas a Tarcisio
Os críticos da legislação apontam risco de que grandes áreas estejam sendo subdivididas com objetivo de facilitar a aprovação dos processos, favorecendo a concentração de terra entre clãs do agro paulista.
A lista de processos para realização de acordos traz diversos sobrenomes em comum, conforme documento enviado pelo governo ao gabinete do deputado estadual Paulo Fiorilo, do PT, sigla que se opõe à lei.
Por exemplo, os sobrenomes Catarino Pereira ou Catarino da Fonseca Pereira aparecem 25 vezes, com um total de área pleiteada para regularização que se aproxima dos 6.000 hectares. O sobrenome Junqueira aparece 20 vezes, em áreas que chegam perto dos 17 mil hectares.
Já os Duarte do Valle aparecem dez vezes, em áreas que totalizam 8.466 hectares (9% do total).
“O que estamos vendo aqui em relação ao que aconteceu de 2022 até 2024, o que está acontecendo, em uma área que está superior à legislação federal está sendo feito um desmembramento para famílias com mesmo sobrenome, para dar um ar de legalidade”, afirmou o deputado estadual Luiz Cláudio Marcolino (PT), durante a discussão do projeto que estendeu a lei que prorrogou o prazo para novos acordos.
Já o bolsonarista Lucas Bove (PL) argumentou que algumas dessas terras já estão na mão dessas pessoas há mais de cem anos. “Esses produtores rurais, pequenos, médios e grandes, nunca vão sair daquelas terras. A diferença é que agora o Estado está recebendo pelo menos uma parte desse recurso de volta para poder investir em educação, em segurança pública, para poder investir em infraestrutura”, disse o deputado.
As tentativas de acordos por parte de fazendeiros se concentram na região do Pontal do Paranapanema, foco constante de tensão entre movimentos como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e fazendeiros. O local é reduto do secretário de Agricultura, Guilherme Piai, que tentou se eleger deputado federal em 2022.
Na época, entre seus doadores de campanha estava Paulo Duarte do Valle, com R$ 10 mil, que também doou R$ 22 mil a Tarcísio e R$ 35 mil a Jair Bolsonaro (PL), segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O nome dele consta da lista de interessados em regularizar fazenda, sendo que ao menos um pedido já teve parecer favorável da PGE.