Marcio Astrini afirma que país precisa de plano nacional para eventos extremos.
Em meio às pessoas resgatadas de áreas isoladas que chegam de bote a Porto Alegre há até crianças pequenas que aparecem sem o pai e nem a mãe. Esse é um exemplo duro de como a tragédia climática no sul do país continua produzindo relatos e imagens fortes, inclusive de um alagamento que não parece ceder porque escorre lentamente. E nos lugares onde a água baixou, como em bairros de Cruzeiro do Sul, o que emergiu foi um amontoado de destroços do que até semana passada eram casas, mercados, igreja e escolas.
Equipes de resgate e voluntários têm trabalhado até de madrugada em busca de moradores. Na capital, mais de 85% das pessoas estão sem água. Para evitar o desabastecimento de insumos em hospitais e centros médicos, a secretaria de Saúde está monitorando, em relatórios diários, o uso de oxigênio e remédios.
Em Brasília, o esforço é para assegurar condições legislativas e jurídicas de socorro ao estado. O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, disse à RFI que, além do trabalho de salvamento e reconstrução, a enchente histórica e destruidora a que assistimos hoje deve nos impelir também a abraçar de vez a questão ambiental, sob o risco de ser tarde demais.
“Todo esse debate de clima, meio ambiente, que antes a gente acompanhava por relatórios, por estudos, pelas conferências da ONU para ver o que ia acontecer, agora basta abrir a janela de casa ou olhar pela televisão, porque as mudanças climáticas estão na nossa frente, no nosso dia a dia. Isso já é realidade. E o que estamos vendo no Rio Grande do Sul nos mostra exatamente que o nosso tempo está acabando”, ressalta Astrini.
O especialista também defende a necessidade de o país contar com um programa nacional que disponha de recursos, monitoramento e medidas efetivas para lidar com eventos extremos, que já fazem parte do dia a dia do planeta. “A gente precisa urgentemente ter um plano nacional de adaptação com recursos em caixa e que olhe principalmente para as populações mais pobres. A hora de agir é agora, acabando com o desmatamento, diminuindo a emissão de poluentes. Isso é urgente pois o cenário pode piorar”.
A previsão não é animadora e a região mais ao sul do estado deve sofrer com chuvas previstas para este início de semana e também com a água que começa a escoar da região metropolitana. Uma reunião virtual de vários prefeitos com autoridades do estado alertou para o risco de grandes inundações.
“O alerta agora é para a região sul do estado, para os municípios que estão na região da Lagoa dos Patos. A água que está aqui causando todo esse transtorno na região metropolitana vai descendo em direção ao mar e, a depender da direção do vento, vai escoar de forma mais rápida ou lenta. De qualquer jeito vai subir muito o nível da lagoa, o que vai trazer muitos transtornos aos municípios. Além disso está chovendo na região sul”, alertou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
Num vídeo publicado nas redes sociais, o chefe do Executivo estadual fez um apelo para que autoridades locais e moradores acreditem nas previsões e ajam para reduzir os impactos. “Por favor, pessoal, acredite nos alertas e nos ajudem para que a gente possa salvar vidas.”
A declaração evidencia um dos maiores entraves na compreensão da importância da preservação ambiental como armadura contra eventos extremos.
“É uma tragédia terrível, mas é uma tragédia que em boa parte é alimentada e plantada todos os dias por essas pessoas que negam as mudanças climáticas e que promovem uma enxurrada desinformação, de fake news e de negacionismo. O ex-presidente foi um exemplo disso e até hoje o discurso dele nega a questão das mudanças climáticas. E como ele há vários políticos, parlamentares, inclusive do Rio Grande do Sul, que insistem no discurso negacionista”, disse o representante do Observatório do Clima.
*Opera Mundi