Por que as altas desigualdades persistem?

Por que as altas desigualdades persistem?

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Convergência dos indicadores socioeconômicos entre brancos e negros não se concretizou.

Com o fim da escravidão, nutria-se a esperança de que a liberdade proporcionaria uma gradual convergência nos indicadores socioeconômicos entre brancos e negros. Porém essa expectativa não se concretizou. A experiência do negro e do pobre na sociedade brasileira permanece enraizada em um contexto de profundas desvantagens.

É uma jornada marcada por diversas lutas, onde a resiliência é testada pelas barreiras sociais e pelos preconceitos que permeiam nossas interações sociais. O propósito desta coluna é abordar, de maneira direta e acessível ao amplo público, como ocorre o processo de propagação das disparidades ao longo do tempo.

1º) Desigualdades históricas e a propagação intergeracional de vantagens

As escolhas históricas das elites no Brasil contribuíram para forjar um país altamente desigual. O patrimônio familiar inicial influencia as oportunidades que os indivíduos vão ter ao longo da vida e isso se retroalimenta nas futuras gerações. A herança, seja ela financeira ou não, representa um poderoso mecanismo de perpetuação de vantagens.

As famílias mais abastadas têm acesso a instituições educacionais e rede de contatos privilegiadas. Isso se reflete no desenvolvimento da carreira propiciando aos filhos das elites uma renda elevada. Assim, dado o patrimônio familiar inicial, o que se verifica é um processo de acumulação de riqueza intergeracional no qual o local de nascimento é um dos principais indutores das chances de sucesso ou fracasso de um indivíduo na sociedade brasileira.

2º) Discriminação e os vieses

Mesmo considerando brancos e negros que partem de uma realidade socioeconômica semelhante, a tendência é que o negro fique para trás, pois ele terá que arcar com o amargo custo do viés racial. A manifestação da discriminação muitas vezes se insinua de maneira sutil, e não é incomum a vítima não conseguir reconhecer a agressão que sofre.

Contudo, é o acúmulo implacável de tratamentos negativos que vai aos poucos minando o desenvolvimento do negro, deixando uma cicatriz profunda em suas oportunidades e aspirações. Enquanto a sociedade brasileira impõe padrões estreitos daquilo que deveria ser valorizado, os negros e os pobres carregam consigo o desafio de redefinir a própria imagem.

3º) A segregação, os modelos sociais e as escolhas

Se houvesse uma política de reparação econômica e fosse possível acabar repentinamente com os mecanismos discriminatórios interpessoais, ainda assim precisaríamos lidar com outro componente que reforça as disparidades. A perpetuação histórica de privilégios para certos grupos resultou em uma ampla segregação socioeconômica e tal divisão fortalece a reprodução de hábitos e valores e, consequentemente, influencia as escolhas.

Por exemplo, para aqueles que possuem pais com educação superior, ir para universidade é quase um caminho natural. Contudo, para aqueles que nascem nas favelas não. Além disso, enquanto para indivíduos com maior nível educacional e renda, investir na carreira e adiar a maternidade é uma prática comum, muitas jovens nas periferias veem a maternidade precoce como uma reprodução das escolhas feitas por seus pais.

4º) Políticas públicas feita pelas e para as elites

A implementação de políticas públicas mais eficazes representa uma via crucial para mitigar a reprodução das desigualdades. No entanto, o aparato estatal do Brasil foi, em grande medida, cooptado por segmentos específicos da sociedade, tornando-se instrumento para a perpetuação de vantagens históricas. Tal captura do Estado não só compromete a eficácia das políticas como contribui para a manutenção de um sistema que marginaliza e exclui comunidades, consolidando, assim, um ciclo persistente de reprodução das desigualdades.

*Michel França/Folha

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