Folha de S. Paulo indica momentos em que Bolsonaro atentou contra a democracia.
Desde sua derrota nas eleições para Lula, em 2022, Bolsonaro tem incentivado os atos e acampamentos antidemocráticos pelo país que pedem um golpe militar e têm resultado em diversos episódios de violência.
Depois da derrota, em uma breve declaração, Bolsonaro manifestou apoio aos atos, condenando apenas os bloqueios de estradas por seus apoiadores. Posteriormente, quebrou um silêncio de 40 dias com um discurso ambíguo, repleto de referências às Forças Armadas, que indiretamente estimulou as manifestações antidemocráticas.
Em suas poucas declarações após o resultado das eleições, Bolsonaro nunca admitiu diretamente a derrota, continuou a fazer acusações infundadas contra o sistema eleitoral e manteve um discurso ambíguo, sugerindo que a posse de Lula não estava garantida.
Em dezembro de 2022, Bolsonaro reforçou sua retórica ao afirmar: “Tenho certeza de que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo”. Essa expressão foi repetida várias vezes ao longo de seu mandato.
Em sete itens, a Folha de S. Paulo explica outros momentos em que Bolsonaro atentou contra a democracia:
1) ATAQUES ÀS URNAS E AO TSE PARA DESLEGITIMAR O SISTEMA
Ao longo de seu mandato, a principal estratégia de confronto do presidente foi a de questionar a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas no país.
Ele nunca apresentou provas ou indícios para questionar as urnas, mas repetiu o discurso golpista, visto como uma tentativa de esconder os problemas do governo, a alta reprovação e as pesquisas que o colocavam atrás do hoje presidente Lula.
2) AMEAÇA DE QUE NÃO TERIA ELEIÇÃO SEM VOTO IMPRESSO
Bolsonaro manteve durante seu mandato um discurso em que, sem nenhuma prova, colocava dúvidas sobre o sistema eleitoral. Em várias ocasiões, deu a entender que não aceitaria outro resultado que não fosse a sua reeleição. Isso provocou forte crise institucional em 2021.
A ameaça mais forte ocorreu em julho daquele ano. “Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, declarou a apoiadores.
No dia seguinte, reforçou a ameaça e afirmou que a fraude eleitoral estava no TSE. Bolsonaro ainda atacou o então presidente da corte eleitoral e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, a quem chamou de “idiota” e “imbecil”.
“A fraude está no TSE, para não ter dúvida. Isso foi feito em 2014”, declarou o mandatário, repetindo a acusação infundada de que o então candidato Aécio Neves (PSDB) teria vencido o pleito contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
3) DISSE QUE, SE DEPENDESSE DELE, NÃO VIVERÍAMOS EM UM REGIME DEMOCRÁTICO
Saudosista da ditadura militar (1964-1985), Bolsonaro reiterou ao longo de anos sua tendência autoritária e seu desapreço pelo regime democrático. Ele negou a existência de ditadura no Brasil e se disse favorável a “um regime de exceção”, afirmando que “através do voto você não vai mudar nada nesse país”.
Em uma entrevista em 1999, quando ainda era deputado, o político disse expressamente que, se fosse presidente, fecharia o Congresso. “Não há menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! Não funciona! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma, porque não funciona”, afirmou.
Já na Presidência, em 2021, ele deu a entender que não poderia fazer tudo o que gostaria por causa dos pilares democráticos. “Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo”, afirmou em uma formatura de cadetes.
Antes disso, ao longo de 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam um golpe militar.
4) ATAQUES A MINISTROS DO STF E AMEAÇA GOLPISTA DE NÃO CUMPRIR DECISÃO JUDICIAL
O STF foi alvo preferencial de Bolsonaro ao longo do mandato. Ele usou termos como “politicalha”, “acabou, porra”, ligação com PT, ativismo e militância, em ataques que se intensificaram a partir de 2020, com a pandemia da Covid-19.
Em março de 2022, em uma mesma cerimônia no Planalto, defendeu a ditadura militar e disse para ministros do STF calarem a boca.
No 7 de Setembro de 2021, em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e em São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF, exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairia morto da Presidência da República.
Já no 7 de Setembro de 2022, diante de milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, discursou em tom de ameaça contra outros Poderes, com citação crítica ao STF.
5) INCENTIVO E PARTICIPAÇÃO EM ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS
Ao longo de seu governo, Bolsonaro chamou aliados e participou de diferentes atos antidemocráticos. Uma investigação foi instaurada no STF a pedido da Procuradoria-Geral da República para identificar os organizadores e financiadores das manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do STF, além do retorno da ditadura militar.
Em uma das mais agudas manifestações, em 19 de abril de 2020, em cima da caçamba de uma caminhonete, diante do quartel-general do Exército e se dirigindo a uma aglomeração de apoiadores pró-intervenção militar, Bolsonaro afirmou que “acabou a época da patifaria” e gritou palavras de ordem como “agora é o povo no poder” e “não queremos negociar nada”.
“Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil”, declarou o presidente, que participava pelo segundo dia seguido de manifestação em Brasília, provocando aglomerações em meio à pandemia do coronavírus. “Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”.
6) FALAS DÚBIAS CITANDO ‘EXÉRCITO’ E NÃO SAIR DAS ‘4 LINHAS’
Tanto no contexto das ameaças às eleições quanto no auge da pandemia, quando Bolsonaro buscava se contrapor a governadores e prefeitos que decretavam medidas restritivas buscando conter a circulação do coronavírus, o então presidente fez uma série de falas dúbias insinuando que poderia tomar alguma medida extrema como estado de sítio ou estado de defesa.
Nessas ocasiões, citava com frequência as Forças Armadas e os militares, indicando que eles seriam seu Exército. Também repetia seu bordão de que não sairia das quatro linhas da Constituição, apesar de na maior parte das vezes fazer ameaças que seriam inconstitucionais.
7) INCENTIVO AOS ACAMPAMENTOS GOLPISTAS APÓS A DERROTA PARA LULA NA ELEIÇÃO
Os atos e acampamentos antidemocráticos que pediam um golpe militar e escalaram em casos de violência pelo país foram atiçados por Bolsonaro desde a sua derrota nas urnas para Lula.
Na semana da derrota, em uma rápida declaração, ele disse defender os atos, tendo ali apenas condenado os bloqueios de estradas por seus apoiadores. Dias depois, quebrou um silêncio de 40 dias com um discurso dúbio que também atiçou seus apoiadores com fala salpicada de referências às Forças Armadas na qual estimulou indiretamente as manifestações antidemocráticas.
Nas poucas falas após o resultado, nunca admitiu diretamente a derrota, reforçou as acusações sem provas contra o sistema eleitoral e manteve um discurso dúbio dando a entender que a posse de Lula na Presidência não estava garantida.
“Tenho certeza de que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo”, disse Bolsonaro em dezembro de 2022, repetindo uma expressão usada diversas vezes ao longo de seu mandato.