“É especialmente grave que um Estado que foi beneficiado pela mesma Comunidade Internacional ignore apelos para que respeite regras humanitárias de contenção”.
É fato que a maior parte das regras de direito internacional humanitário só são convencionadas após o cometimento das atrocidades. Muitas vezes são necessários anos para que uma conduta específica venha a ser proibida pela comunidade de Estados, a depender da memória histórica preservada e da capacidade de articular uma censura ao que representa uma ameaça universal.
Por outro lado, a comunidade internacional não nasceu ontem. Acumulam-se séculos de experiências dramáticas com todo tipo de guerra e os ajustes para a paz das quais derivaram princípios transversais a qualquer cultura, lugar e tempo. Datam de milênios e passam por Confúncio, Mahabharata, Zoroastra, Homero, Polibo, Viqaet, pela idade média e a cavalaria, passa sobretudo pelas religiões monoteístas que definiram linhas vermelhas aos conflitos bélicos, transcendendo regras de racionalidade que, mesmo admitindo a guerra como um direito (jus in bello), definiram condutas-limite para permitir, em cada caso, a recomposição, o recuo, a trégua, a rendição e mesmo o alcance da paz.
Isso sem falar, com a modernidade, na convencionalidade dos Estados-nação, as conferências e a regulação específica de condutas com base nos traumas das Guerras Mundiais, a consolidação do princípio da proporcionalidade dos fins de uma guerra, o princípio da distinção entre combatentes e não combatentes, a proteção de civis e de prisioneiros de guerra, as garantias de alvos protegidos e tudo o que, grosso modo, conhecemos como Direito de Genebra.
Eis o que espanta na resposta de Israel sobre Gaza. Depois de milênios de acúmulo de racionalidade no direito de Guerra, a decisão dos comandos militar e político é de negação absoluta.
Isso torna a ressalva aos terríveis ataques do Hamas uma piada de mau gosto. Ou acaso as mães e os bebês palestinos valem menos que os bebês e os civis israelenses? Esse debate, ao lado do marketing que apela à confusão entre antissemitismo e antissionismo, é uma gigantesca armadilha para disfarçar a deliberada decisão dos comandos de negar absolutamente qualquer regra civilizatória e, contrário senso, cometer todo tipo de crime que atravessar a estratégia de, aparentemente – não sabemos – nova ocupação territorial.
Israel perdeu a noção do absurdo e, para a perplexidade de estrategistas do mundo inteiro, ignora as consequências do próprio isolamento e a covardia de bombardear uma população acuada e em condições desaparecimento iminente.
*Carol Proner/247