O Conselho de Segurança da ONU finalmente conseguiu chegar a um acordo para pedir uma pausa humanitária em Gaza, informa o colunista Jamil Chade, do portal UOL. Nesta quarta-feira, foi um texto proposto por Malta que foca na situação das crianças e acabou obtendo os votos suficientes.
Apesar de pedir a pausa, a resolução não faz um apelo pelo fim de hostilidades, como queria o Brasil. Os russos consideraram o documento “fraco”. Imediatamente após a aprovação, o governo de Benjamin Netanyahu deixou claro que não vai cumprir o que o texto pede.
No total, 12 dos 15 países do grupo apoiaram o texto, entre eles o Brasil — os EUA, a Rússia e o Reino Unido optaram pela abstenção.
Para o Ministério das Relações Exteriores de Israel, não há lugar para as medidas propostas enquanto os reféns estiverem sendo mantidos pelo Hamas.
O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, disse que a resolução está “desvinculada da realidade”. “A estratégia do Hamas é deteriorar deliberadamente a situação humanitária na Faixa de Gaza e aumentar o número de vítimas palestinas para fazer com que a ONU e o Conselho de Segurança detenham Israel. Isso não acontecerá. Israel continuará a agir até que o Hamas seja destruído e os reféns sejam devolvidos”, disse. E continuou:
“É lamentável que o Conselho de Segurança continue a ignorar e se recuse a condenar ou mesmo mencionar o massacre realizado pelo Hamas em 7 de outubro.”
A guerra em Gaza vem sendo acompanhada por uma profunda crise diplomática, com potências rachadas sobre como lidar com a situação.
Depois de 40 dias de conflitos, no entanto, essa foi a primeira vez que o órgão máximo das Nações Unidas chegou a um acordo, ainda que sem o voto de americanos e russos.Continua após a publicidade
Além de uma pausa humanitária, o texto pede que acesso seja dado para que ajuda chegue à população civil, principalmente para crianças. Além disso, a resolução pede que os reféns israelenses sob o controle do Hamas sejam liberados.
Pelas regras da ONU, uma resolução do Conselho tem poder vinculante. Não se trata de um voto simbólico — mas Israel, por décadas, vem colecionando violações a decisões do colegiado.
A esperança hoje é que, ao ser aprovada, a resolução coloque pressão sobre Israel e sobre seus aliados para que haja uma mudança no comportamento.
Durante a reunião desta quarta-feira, o embaixador de Israel nem sequer esteve presente. Sua delegação apenas disse que Hamas não vai atender ao pedido da resolução de soltar os reféns e lamentou que o Conselho até agora não tenha condenado os massacres do grupo palestino.
Segundo Israel, a crise é “culpa do Hamas”. A versão do governo de Netanyahu é que houve roubo de ajuda humanitária e que teriam sido os palestinos quem se recusaram a receber combustível para os hospitais. Além disso, o governo israelense acusa o Hamas de ter transformado o hospital de Al Shifa numa “bases militar”.
Para a delegação, o texto aprovado não faz nada para melhorar a situação da população civil e deixou claro que Israel não tem opção: irá continuar até destruir o Hamas e recuperar os reféns. A guerra, segundo eles, terminaria se o Hamas se entregasse e libertasse os reféns.
O embaixador palestino na ONU, Riyad Mansour, lamentou o comportamento de Israel. “Eles acabam de anunciar que não irão cumprir. O que podemos fazer?”, disse. Para o diplomata, o texto deveria ter pedido um cessar fogo, o que não ocorreu. “Israel considera todos os palestinos como terroristas. Eles querem completar o Nakba”, disse.
Para a Suíça, o texto chega “tarde demais” para muitas pessoas que morreram. O governo brasileiro indicou na ONU que a resolução já deveria ter sido aprovada há semanas — não apenas para lidar com a crise, mas também salvar a credibilidade do Conselho.
O Itamaraty alertou que o texto aprovado não atende às necessidades de que um fim às hostilidades seja proposto e voltou a criticar os vetos anteriores em outras resoluções em fala no Conselho hoje.
Para o governo russo, a pausa proposta não é um substituto para uma trégua ou um acordo de cessar-fogo. Moscou acusou os estadunidenses por não permitir que um texto fosse mais ambicioso. “Quem é que vai aplicar a pausa e monitorá-la?”, questionou o Kremlin.
Já o governo britânico criticou o fato de que o texto não condena claramente o Hamas. “Foi por isso que optamos por uma abstenção”, disse a delegação do Reino Unido. Linda Thomas Greenfield, embaixadora dos EUA, também fez a mesma crítica.
“Não há desculpas para não condenar os atos de terror, Vamos ser claros: foi o Hamas quem colocou o conflito em andamento”, disse a embaixadora dos EUA.
Para a França, que apoiou o texto, a resolução era necessária diante da “catastrófica situação humanitária”.
Há três semanas, o Brasil havia apresentado uma proposta para o estabelecimento de uma trégua — a resolução brasileira conseguiu 12 dos 15 votos no Conselho, mas foi vetada pelos EUA sob o argumento de que não lidava com o direito a autodefesa de Israel. Outras três propostas tampouco passaram.
Antes da votação desta quarta-feira, o embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzya, apresentou uma emenda sugerindo a inclusão de um parágrafo que pedia uma “trégua humanitária” e que leve “a fim de hostilidade”. O texto era uma referência à resolução já aprovada na Assembleia Geral da ONU, mas que não contou com o apoio dos EUA e Israel.
A proposta russa foi apoiada por cinco países, entre eles o Brasil — nove optaram por abstenção, e os EUA rejeitaram. “Isso quer dizer que vocês são favoráveis à continuação da guerra?”, questionou o embaixador russo.
O texto aprovado ontem pede que:
— As partes cumpram suas obrigações de acordo com o direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional, principalmente no que diz respeito à proteção de civis, especialmente crianças;
— Sejam estabelecidas “pausas e corredores humanitários urgentes e estendidos em toda a Faixa de Gaza por um número suficiente de dias para permitir o acesso humanitário completo, rápido, seguro e desimpedido para as agências humanitárias”;
— A entrada de produtos como “água, eletricidade, combustível, alimentos e suprimentos médicos, bem como reparos de emergência em infraestruturas essenciais, e para permitir esforços urgentes de resgate e recuperação, incluindo crianças desaparecidas em prédios danificados e destruídos, e incluindo a evacuação médica de crianças doentes ou feridas e seus cuidadores”;
— A libertação imediata e incondicional de todos os reféns mantidos pelo Hamas e outros grupos, especialmente crianças, bem como a garantia de acesso humanitário imediato.
Num outro trecho, a proposta solicita que as partes que “se abstenham de privar a população civil da Faixa de Gaza de serviços básicos e assistência humanitária indispensáveis à sua sobrevivência.”
A resolução pede ainda a proteção de equipes médicas e humanitárias, além de veículos, incluindo ambulâncias, locais humanitários e infraestrutura crítica, incluindo instalações da ONU. O conflito já fez 101 mortos entre os funcionários das Nações Unidas.