Deputados usaram comissão controlada pelo bolsonarismo para aprovar projeto contra casamento homoafetivo.
A cruzada parlamentar contra o Supremo teve ontem um novo capítulo. A Comissão de Previdência e Assistência Social da Câmara aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento de pessoas do mesmo sexo.
Antes da votação, deputados de extrema direita fizeram ataques e provocações à Corte. Eles reclamaram do julgamento que reconheceu as uniões homoafetivas, em 2011.
“Ninguém aguenta mais as interferências do Judiciário”, esbravejou o deputado Pastor Marco Feliciano. “Respeitamos o STF, mas eles entendam que aqui nós decidimos legislar”, reforçou o colega Pastor Eurico.
Os parlamentares investiram no discurso de que os juízes do Supremo não foram eleitos. Por isso não teriam o direito de se contrapor à vontade do Congresso.
A tese dialoga com o senso comum, mas ignora que a democracia não se resume à regra da maioria. É preciso proteger os direitos fundamentais de todos, o que inclui as minorias políticas e sociais.
Em países democráticos, essa tarefa cabe às cortes constitucionais. É o caso do Supremo, que deve exercer um papel contramajoritário ao interpretar e aplicar a Constituição.
O STF comete erros, mas tem acertado ao defender as liberdades civis e proteger grupos vulneráveis. Isso irrita as bancadas ultraconservadoras, que querem uma sociedade à sua imagem e semelhança.
Os casais homoafetivos não são os únicos alvos da ofensiva reacionária. Nas últimas semanas, o Congresso forçou o embate com o Supremo em temas como porte de drogas, direito ao aborto e demarcação de terras indígenas.
Em alguns casos, o objetivo é acuar o tribunal e paralisar julgamentos em curso. Em outros, apenas fazer barulho e desgastar os juízes.
A bancada evangélica sabe que não tem votos em plenário para proibir o casamento homoafetivo. Mesmo assim, usou uma comissão controlada por bolsonaristas para produzir o fato político de ontem.
Ao insistir no ataque aos direitos civis, a extrema direita força o Supremo a fazer o que ela tanto critica. Os deputados sabem disso, mas semeiam intolerância para colher votos na próxima eleição.
*Bernardo Mello Franco/O Globo