Para Joost Hiltermann do Crisis Group, conflito pode transbordar para outros países do Oriente Médio dependendo do que acontecer em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, sagrada para muçulmanos e cristãos.
Ninguém estava preparado” para o que aconteceu na manhã de sábado em Israel, quando o grupo extremista armado Hamas lançou um ataque-surpresa terrorista sem precedentes por terra, céu e mar, disse ao GLOBO Joost Hiltermann, diretor do programa de Oriente Médio do Crisis Group e especialista no tema. Para ele, o resultado desta escalada do conflito entre judeus e palestinos é igualmente difícil de mensurar: “dependendo do que acontecer em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, sagrada para muçulmanos e cristãos”, outros atores regionais podem se envolver no conflito, transformando a disputa territorial em uma guerra mais ampla no Oriente Médio, avalia.
O especialista também destaca os impactos do confronto para a política interna de Israel:
— Se a guerra se limitar a Israel e ao Hamas, Israel vencerá militarmente. Mas do ponto de vista político e psicológico, o Hamas já venceu — afirma. — O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu sofreu a maior derrota de sua carreira.
O que explica a falha de segurança de Israel nos ataques do Hamas?
É preciso perguntar às autoridades israelenses sobre isso e ver o que elas dizem, o resto é especulação. Mas minha impressão é que a inteligência israelense tem se concentrado na fronteira norte e na ameaça do Hezbollah e do Irã. E isso não significa que eles não estejam de olho no Hamas nem suspeitem das ligações entre o Hamas e o Irã. Mas, na minha opinião, eles fizeram uma avaliação errada de que o Hamas não tinha capacidade de travar uma guerra de grandes proporções neste momento, porque ainda estava se recuperando dos últimos confrontos. Eles também não achavam que o Hamas consideraria esse o momento certo pelo mesmo motivo. E digo isso em retrospecto, porque também fiquei surpreso com o fato de que esse era o melhor momento. Ninguém estava preparado.
- O Hamas atacou por terra, céu e mar. Como tiveram acesso a todos esses equipamentos sem serem notados?
Foi um ataque multifacetado muito bem planejado e bem coordenado, realizado em motocicletas, caminhonetes e algumas asas-delta, que não são tão difíceis de conseguir. São todos equipamentos muito pequenos que podem ser facilmente usados com os foguetes, muitos deles feitos em casa. E o Hamas vem construindo esse arsenal há muito tempo, embora seja um arsenal pouco sofisticado. Mas esse é o ponto. É um povo que está sendo oprimido há muito tempo e está desesperado. Eles irão recorrer a todos os meios para encontrar uma forma de lutar por sua liberdade, inclusive motocicletas. No entanto, é preciso dizer que são meios muito imorais atacar, matar e sequestrar civis.
Qual é a gravidade do que está acontecendo neste momento? Podemos falar de uma nova guerra de Yom Kippur?
O único paradoxo com a guerra do Yom Kippur é o elemento surpresa, mas, fora isso, é muito diferente, porque no Yom Kippur eram os exércitos sírio e egípcio que cruzavam o território ocupado por Israel. Hoje, estamos falando de atores palestinos não estatais. O Hamas entrou em Israel a partir do território ocupado e conquistaram alguns tanques, capturaram algumas estruturas, mas foi um ataque baseado no uso de asas-delta, motocicletas e caminhonetes, totalmente diferente do que aconteceu no Yom Kippur.
A recente conexão entre Israel e a Arábia Saudita pode ter desencadeado esse ataque? Quais razões podem estar por trás do momento escolhido pelo Hamas?
Não creio que exista um gatilho único e, certamente, essas conversas não foram um gatilho, porque elas já estavam acontecendo há algum tempo. O Hamas citou a violência em Jerusalém, nas prisões palestinas, que tiveram sérios problemas nas últimas semanas, e também os protestos violentos em Gaza, na fronteira com Israel. Portanto, pode-se dizer que esses foram os gatilhos, embora as tensões não tenham sido tão diferentes de outras que ocorreram no passado. Parece ter sido muito mais a percepção de que Israel estava vulnerável naquele momento e que o Hamas já estava planejando um ataque há meses.
O Irã já declarou apoio à Palestina e o Hezbollah disparou mísseis em “solidariedade” ao Hamas… Qual é a chance de esse novo conflito entre Israel e Palestina se espalhar pelo Oriente Médio?
Depende do que Israel fizer em Gaza e do que acontecer na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, sagrada para muçulmanos e cristãos. Isso pode determinar se outros atores se envolverão no conflito, como o Hezbollah ou o Irã. No momento, não parece que isso vá acontecer, mas quem sabe? Às vezes, os conflitos acontecem porque os atores são arrastados, não porque eles realmente querem.
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Os EUA declararam apoio incondicional a Israel. Existe algum risco de que isso possa ser o início de um conflito global?
Não imediatamente. Os Estados Unidos estão brigando com a China pela Palestina, mas a Rússia não vai se envolver, porque está muito ocupada na Ucrânia. Então não parece que haja risco de um conflito global, embora possa haver uma escalada precoce além de Israel e Gaza. Espero que não aconteça, mas é possível.
Netanyahu prometeu destruir todos os locais onde o Hamas está presente. Estamos prestes a ver um banho de sangue?
Netanyahu prometeu destruir os locais onde há equipamento do Hamas, mas o problema é que são áreas povoadas por civis. Não posso prever nada nesse sentido, sob o risco de facilmente estar errado. Mas se Israel lançar uma invasão terrestre em Gaza é seguro dizer que haverá muitas baixas.
Existe um lado certo e um lado errado nessa história?
Há dois modos de analisar esta questão. Um deles é o da guerra, porque existe uma lei internacional para isso e ambos os lados violaram essa lei atacando civis e usando poder de fogo desproporcional. Não estou falando apenas de ontem, mas do passado. Mas há também a dimensão da ocupação militar isralenese de outro povo no território desse outro povo. E isso, inerentemente, causa mais conflitos. É isso que precisa ser resolvido, esperamos que por meio de negociações.
Em termos de política interna, Netanyahu sai mais forte ou mais fraco desse conflito?
Eventualmente, se essa guerra se limitar a Israel e ao Hamas, Israel vencerá militarmente. Mas, do ponto de vista político e psicológico, o Hamas já venceu. E por causa da falha de inteligência e do fracasso do Exército israelense em responder rapidamente, esse governo de direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já perdeu sua moral. É muito difícil de ver, porque no momento eles estão no meio de um conflito externo, então ninguém vai dizer nada para derrubá-los. Mas, quando a luta terminar, acho que o acerto de contas virá e eles vão se arrepender. Não sei se isso significa que o governo cairá ou apenas que algumas pessoas serão demitidas, mas, com certeza, Netanyahu sofreu a maior derrota de sua carreira.
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