Conflito Israel-Palestina é apenas uma peça de um jogo geopolítico maior – entenda

Conflito Israel-Palestina é apenas uma peça de um jogo geopolítico maior – entenda

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No último sábado dia 7 de Outubro de 2023, exatamente o dia em que a Guerra do Yom Kippur completou 50 anos, o Mundo foi abalado com ataques de mísseis lançados pelo Hamas em território israelense provocando milhares de vítimas e dando início a um conflito armado entre o Estado de Israel e os palestinos da Faixa de Gaza, o que alguns chamariam de “Guerra do Yom Kippur 2”. O conflito ainda está em andamento com muitos sequestros de reféns, execuções, uso ostensivo de bombas e mísseis, guerrilha urbana e outros confrontos, como por exemplo, no ciberespaço.

Estamos diante de uma nova guerra entre árabes e judeus pelo controle do istmo da Palestina, um problema antigo e conhecido de boa parte das pessoas que se acostumaram a se deparar com este confronto por meio dos grandes veículos de imprensa que se apropriam dos fatos e costuram a sua versão “didática” para os leitores, ouvintes e telespectadores . As gerações mais velhas se lembram bem das intifadas da década de 1980 até o início de 2000 quando o circo de horror do Apartheid israelense contra os refugiados palestinos em Gaza e Cisjordânia ocorria. São marcantes as cenas de jovens que reagiam à violência militar israelense nas áreas ocupadas utilizando paus e pedras contra tanques blindados.

As intifadas (termo em árabe para “revoltas”) expressavam o descalabro do povo palestino com as tentativas dos burocratas em chegar nos acordos de Paz na Palestina sem que o principal interessado (o povo explorado) fosse ouvido. Em anos recentes, as políticas repressivas aumentaram com a ascensão do regime de ultra direita do Benjamin Netanyahu em Israel. A escalada autoritária na região hipertrofiou o Estado repressivo de Israel contra os direitos da maioria árabe que foi obrigada a se retirar de suas terras para ficarem confinados na estreita Faixa de Gaza e na polêmica Cisjordânia.

De certa maneira, muitos estudiosos consideravam que uma nova explosão de revolta entre os palestinos ocorreria em meio à escalada repressiva israelense. Não estamos diante de uma novidade, o conflito foi estimulado de dentro pra fora e, certamente, de fora para dentro. Há muito interesse internacional no conflito, em especial, se considerarmos que outros conflitos “encomendados” Mundo afora esfriaram e não surtiram o efeito desejado pelas potências ocidentais – me refiro à Guerra da Síria ou a Guerra da Ucrânia, ambos confrontos por procuração que interessavam e muito o Pentágono. A política externa anglo-americana via nestes conflitos recentes (todos decorrentes de Guerras Híbridas) alternativas que pudessem garantir a continuidade da doutrina do Full Spectrum Dominance remanescente dos anos de George W. Bush e Tony Blair.

Diferentemente dos outros confrontos entre Israel e Palestina, podemos dizer que este é o primeiro grande confronto na era das redes sociais, o que o torna inédito para os padrões árabe-israelenses já que a opinião pública global acompanha o conflito junto com a massificação das opiniões. Esta realidade se tornou, por si só, um asset (ativo político disputado pelo contendores). Qual é a versão da guerra à ótica dos influenciadores? Personalidades como a atriz israelense Gal Gadot (Mulher Maravilha) se pronunciaram na rede social expressando seu apoio à Israel e proferindo seu ponto de vista sobre quê lado as pessoas “fortes e corajosas d’alma” (ironia) deveriam estar. Não faltarão aqueles que caçam versos bíblicos para explicar o conflito, um dos grandes anacronismos que a Guerra árabe-israelense suscita e que agora, com as redes sociais, é turbinado. Em geral, as interpretações religiosas quase sempre decaem em erros analíticos e reduz a Geopolítica a um filme de super heróis da DC Comics (para homenagear aqui Gal Gadot). O que é grave, no entanto, é que em geral Geopolítica não é um filme de mocinhos e vilões e tampouco exige (como no caso de Israel e Palestina) torcida organizada.

Não é um conflito localizado e tampouco tirado diretamente dos versos do Velho Testamento (embora é possível reconhecer similaridades e continuidades históricas de longo prazo). O imbróglio da Palestina está inserido num contexto maior e mais complexo. Podemos localizar a guerra entre israelenses e árabes como um episódio emblemático ligado à queda do Império Turco-Otomano e da apropriação dos territórios pelo Império Britânico. Desta forma, todos os conflitos que marcaram o istmo da Palestina desde antes da I Guerra Mundial até hoje remontam a um ponto de partida fundamental – a Declaração de Balfour em 1917 – quando um parlamentar britânico de nome Arthur Balfour se comprometeu com o Barão Rothschild de fazer a Inglaterra cumprir a promessa da criação de um Estado judeu na Palestina caso ganhasse o conflito com o Império Turco-Otomano. A demanda pela criação de um moderno Estado judeu na Palestina vem na esteira dos movimentos nacionalistas do século XIX e que ganhou no jornalista Theodor Herzl (1860-1904) grande fôlego. A comoção pública global provocada pelo Holocausto nazista foi a gota d´água para que finalmente a Declaração de Balfour fosse cumprida.

Não foi só um compromisso com o Barão Rotchschild que colocou um povo contra o outro na Palestina e sim a oportunidade de ampliar o escopo de influência no chamado “Rimland” da Ásia. O termo “Rimland” (terra da borda) foi criado pelo inventor da disciplina geopolítica, o inglês Halford McKinder para diferenciar áreas costeiras da Ásia do chamado “Heartland” (a Ásia Profunda) que corresponde aos territórios continentais deste que é o maior continente do Planeta e cuja influência e apropriação pelos Ocidentais é desde há muito cobiçada, em especial após a era industrial. A Ásia é o continente mais relevante para o poder global, é o maior território do Mundo, integra algumas das maiores e mais populosas nações do Planeta e abriga uma grande variedade de tesouros e riquezas fundamentais para a lógica de dominação global. A grande burguesia industrial e financeira da Europa busca, desde a consolidação do Capitalismo monopolista em 1900, alternativas das mais variadas para impor pouco a pouco seus interesses econômicos, militares e políticos no “Heartland” recorrendo a áreas de alta pressão política nos cenários adjacentes como o “Rimland” da qual o istmo da Palestina faz parte.

Israelenses e palestinos, que lado escolher? Não é esta a discussão a ser feita tampouco quem é o povo de Deus ou não. Estas discussões apenas interessam à desinformação do povo trabalhador à respeito do verdadeiro desenho do conflito que o Planeta como um todo vive desde o século XIX. Quanto mais encobrirmos o embate fundamental sobre a região que gira em torno de poder estrutural, mais escondemos o fato de que o sofrimento de árabes e israelenses em grande medida não passa de uma articulação estratégica contemporânea, sob medida para impor uma determinada política no local. Portanto, a discussão na Palestina é outra. Ambos árabes e judeus são vítimas reiteradas de banqueiros, industriais e burocratas da grande Burguesia global. São povos que foram jogados uns contra outros na Partilha da Palestina pelos tubarões do Neocolonialismo e atualmente do Neoliberalismo. Ao observarmos a questão com mais critério iremos perceber que o problema entre árabes e judeus é, essencialmente, o mesmo entre ucranianos e russos, norte-coreanos e sul-coreanos, armênios e azeris, sérvios x croatas x bósnios, chineses e taiwaneses, indianos e paquistaneses, tutsis e hutus, panamenhos e colombianos e etc. Veja que estamos diante de um epifenômeno de algo com a mesma origem: o Imperialismo anglo-americano que há tempos adota a lógica do “dividir para governar, dividir para conquistar”.

Para muitos interessados em se aprofundar no assunto Israel-Palestina, a melhor forma de entender o conflito é entender o cenário do “Grande Jogo”, fenômeno histórico ainda presente (chamado atualmente de “O Novo Grande Jogo”). Ou, se preferir entender a essência de tudo, a melhor alternativa é “Imperialismo: Fase superior do Capitalismo” escrito por Lênin.

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