Há várias maneiras de se manipular uma notícia. Um exemplo foi a maneira como alguns jornalões noticiaram os dados do Tesouro Nacional.
A Folha deu que “sob Lula, contas públicas tem pior resultado para um primeiro ano de mandato”.
Pode não ser mentira, mas é uma manipulação.
Primeiro porque o “primeiro ano de mandato” ainda não aconteceu. Os números usados para a reportagem correspondem a um pouco mais da metade do ano, ou até agosto.
Segundo porque o tom usado engana o leitor, produzindo um fantasma de “rombo”, que não existe. A receita mensal do governo brasileiro nunca foi tão elevada quanto nos últimos anos. Em parte, graças aos generosos royalties de petróleo e minério de ferro, mas não apenas isso. O recorde das exportações parece efetivamente estar ajudando a economia brasileira como um todo.
O gráfico acima traz valores ajustados pela inflação, e considera os valores acumulados em 12 meses. Repare que mudamos de patamar nos últimos anos. De 2013 a 2021, oscilávamos entre 1,8 a 2 trilhões de reais de receita acumulada em 12 meses. Agora estamos entre 2,25 e 2,5 trilhões de reais.
Há ainda outra explicação. Após chegamos ao fundo do poço em 2020, em virtude da pandemia, que arrasou economias mundo a fora, houve uma recuperação rápida da nossa produção, e isso se refletiu na melhora da receita fiscal a partir de meados de 2021. O empresário que não pagou seus impostos em 2020, passou a fazê-lo em 2021. Em nosso caso, fomos ainda beneficiados com a forte valorização das nossas commodities, como soja, minérios e petróleo, desde então.
Entretanto, nos últimos meses de 2023, houve queda no preço dessas mesmas commodities, o que levou a desidratação das chamadas receitas “não-administradas” da Receita Federal, categoria que inclui os recursos transferidos ao governo federal via royalties e concessões, em especial no setor extrativo (petróleo e minérios).
Quase toda a queda de receita nos últimos meses se deu principalmente na categoria não-administrada, que inclui, como já dito, os royalties de minérios e petróleo. Na categoria de receitas administradas, por outro lado, o gráfico mostra uma saudável estabilidade ao longo deste ano, com um declínio modesto, quase insignificante, no primeiro semestre, puxado provavelmente também pela queda nos preços das commodities. Importante destacar ainda que essa estabilidade da receita administrada decorre da decisão política do governo Lula de não aumentar impostos.
Entretanto, quando se examina as contas públicas como um todo, a impressão mais forte é que nunca elas foram tão saudáveis como hoje.
Para isso, precisamos olhar o resultado primário, tanto em valores absolutos e constantes (ou seja, ajustados pela inflação), quanto em percentual no PIB.
O resultado primário é o principal termômetro das chamadas “contas públicas”. Trata-se do total de receita do governo menos as despesas.
O gráfico abaixo, com histórico de janeiro a 2010 a agosto de 2023, mostra um fato que todos os números macroeconômicos revelam: a economia degringolou em meados de 2014, não coincidentemente a partir do início da Lava Jato, que paralisou o país. As contas pioram conforme a crise política se aprofunda. Com a “normalização” política (se é que podemos qualificar assim a eleição de Bolsonaro em 2018), as contas param de piorar a partir de 2019. A pandemia, porém, causa um estrago grande. Entretanto, em 2021 voltamos ter contas públicas no positivo. As eleições presidenciais de 2022 deflagram novamente uma piora das contas, possivelmente em virtude da gastança eleitoreira e irresponsável de Bolsonaro.
No finalzinho do gráfico, dá para ver que Lula está conseguindo reverter o rumo negativo do resultado primário, e a recuperação do preço das commoditites, nas últimas semanas, deve trazer alívio para as contas públicas até o final do ano.
A evolução da dívida pública é outro fator determinante para sabermos o estado das contas públicas de um país.
Segundo o Banco Central, a dívida pública bruta do governo geral, após chegar perto de 90% do PIB no auge da pandemia, em 2020, vem caindo consistentemente e hoje está pouco acima de 70%. Com a recuperação do PIB, que deve crescer 3,3% em 2023, segundo a última projeção do Ipea, esses números podem trazer mais surpresas positivas.
Os números do Tesouro Nacional mostram que Lula iniciou seu novo governo com uma forte recuperação dos investimentos sociais, como mostra o gráfico abaixo do Bolsa Família. O governo saiu de um patamar de gastos com o programa inferior a 8 bilhões de reais por mês para quase R$ 15 bilhões mensais.
Os dados servem ainda para confrontar algumas críticas injustas feitas a Lula e a seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre uma suposta “austeridade fiscal”. Não é isso que estamos vendo.
Por outro lado, não seria justo acusar o governo de estar aumentando o custeio da máquina pública de maneira irresponsável. Houve um aumento sim da máquina, que precisou ser recuperada após os anos de sucateamento ultraliberal de Bolsonaro, porém modesto. Em valores constantes de agosto de 2023, o custeio mensal da máquina pública, que era aproximadamente de R$ 3 bilhões por mês em janeiro, subiu para cerca de R$ 5 bilhões, e se estabilizou por aí.
A melhor notícia, todavia, é o aumento constante do investimento, que começa o ano inferior a R$ 2 bilhões por mês, e agora já está chegando a R$ 8 bilhões ao mês, e isso antes do PAC 3 engrenar, o que deve acontecer até o fim do ano.
Em termos relativos ao PIB, o custeio do governo geral vem caindo expressivamente desde 2012. O pico de investimento em 2020, mostrado no gráfico, é um ruído estatístico, que considera gastos extraordinários de combate a Covid como investimento.
Uma observação mais de perto, e ainda com dados relativos ao PIB, mostra uma recuperação modesta mas constante do investimento ao longo de 2023, com destaque justamente para agosto. O custeio, por sua vez, se mantém relativamente estável. Esses dados são mensais (não acumulados em 12 meses).