Helena Chagas*
Ao condenar os três primeiros réus dos atos golpistas a penas rigorosas, que variam entre 14 e 17 anos de prisão, o STF estabeleceu um paradigma e jogou lá em cima o sarrafo para os próximos julgamentos, sobretudo os de Jair Bolsonaro. Ainda não há denúncia formulada, e sequer foram encerrados os inquéritos nos quais ele é investigado — falsificação de carteiras de vacinação e venda de jóias, além da incitação/participação em tentativas de golpe — , mas a primeira rodada no plenário deixou claro que a maioria do Supremo pavimenta um caminho que deverá desembocar na cadeia para o ex-presidente.
A principal sinalização emitida pela Corte semana passada é de que, segundo o entendimento do relator Alexandre de Moraes, seguido pela maioria dos colegas, houve tentativa de golpe e atentado violento ao Estado Democrático de Direito. A divergência levantada pelo indicado de Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, e reforçada por André Mendonça, de que se tratou apenas de baderna com destruição do patrimônio público foi derrubada e não voltará a vingar nos próximos julgamentos correlatos.
Houve, sim, tentativa de golpe no 8/1, precedida por articulações envolvendo pessoas do governo Bolsonaro e incitação aos golpistas. Numa próxima etapa, estarão sendo julgados não apenas os que destruíram os prédios dos Poderes, mas financiadores e mentores intelectuais dos atos golpistas — que costumam sempre receber penas mais elevadas do que os executores. É aí que entra Bolsonaro.
As lacunas sobre o envolvimento do ex-presidente na trama golpista podem ser preenchidas na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Ou não. O avanço dessa investigação não depende apenas disso. Já há outros elementos estabelecendo conexão de Bolsonaro e seu entorno com os atos do 8/1, como postagens em redes sociais, depoimentos como o do hacker Walter Delgatti e material encontrado em celulares e mensagens de ex-auxiliares. O próprio Moraes desvendou a trama num dos votos, ao afirmar que a ideia era de que, a partir da destruição, houvesse a necessidade de uma GLO: “com isso, estariam pedindo que as forças militares, principalmente o Exército, aderissem a um golpe de Estado”.
Não é improvável, portanto, que em pouco tempo os investigadores cheguem a digitais mais nítidas de Jair Bolsonaro na tentativa de golpe e abolição do Estado Democrático de Direito — se é que já não as têm. Tipificado no Código Penal, o crime de tentativa de golpe de Estado prevê prisão de 4 a 12 anos. E essa condenação não precisa ser necessariamente respaldada por uma ligação direta com o 8/1 — o que, se ocorrer, pode render a ele mais oito anos. As outras acusações investigadas, como a tentativa de enganar a população com uma estratégia de fraudar ou descredibilizar as urnas eletrônicas na eleição, se comprovadas, já podem respaldar a denúncia por tentativa de golpe.
O caso da trama golpista é, sem dúvida, o mais grave, por colocar em risco a nossa democracia. Mas tanto a acusação sobre a venda indevida de joias patrimônio de Estado — a mais danosa à imagem de Bolsonaro perante a opinião pública — quanto a falsificação de carteirinhas de vacinação também podem levá-lo à cadeia. Vender as joias indevidamente apropriadas é crime de peculato, que pode dar de 2 a 12 anos de prisão. O acréscimo da lavagem de dinheiro, consubstanciada no ato de receber nos EUA os dólares da venda dos presentes sem qualquer registro, pode render mais 3 a 10 anos de reclusão.
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