O Supremo Tribunal Federal vem de debater e emitir as primeiras penas contra os primeiros acusados das invasões e depredações ocorridas durante o ataque às sedes dos três poderes no dia 8 de janeiro.
Num julgamento complexo, pela raridade das condutas examinadas e pela novidade da lei que delas trata, a maioria do Supremo seguiu em linhas gerais a acusação do Ministério Publico e condenou os réus a penas severas, variando de 14 a 17 anos de reclusão em regime fechado.
Merece elogio o denodo demonstrado pelo tribunal para, de maneira ágil, começar a julgar casos tão numerosos e complexos.
Para além do indispensável exame e da caracterização individualizada dos crimes cometidos ou não pelos réus, o julgamento reveste-se de características por si evidentes, de uma resposta à sociedade.
Em 8 de janeiro, a democracia e a própria República foram diretamente enxovalhadas. Tentou-se revogar de forma violenta o direito e o dever de os eleitores verem efetivada no poder a escolha que haviam feito nas urnas.
O objetivo dos criminosos era destituir o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, chamar uma intervenção militar, fechar o próprio Supremo e fazer terra arrasada mesmo do precário regime democrático que, desde o golpe mediático-parlamentar de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, tentava se recompor.
O Judiciário foi expedito, evidenciando por meio de atos concretos que o processo eleitoral, fundamento da democracia de 88, tem instrumentos para sua própria proteção.
Estes julgamentos revestem-se de características educacionais. São exemplos para balizar a sociedade sobre o que, de acordo com a lei, pode ou não ser tolerado em protestos democráticos.
O que houve naquele Dia da Infâmia demandava não vingança, mas justiça exercida com todo o rigor e critério da lei. Do contrário, a leniência ensejaria a impunidade diante dos fatos gravíssimos cujas consequências poderiam ser ainda mais devastadoras.
Se majoritariamente o julgamento evidenciou unidade do Supremo, houve divergências, como não poderia deixar de ser, na caracterização dos crimes e na gravidade das penas. Essas diferenças ultrapassaram a esperada dissensão dos dois ministros apontados por Jair Bolsonaro.
Apareceram divergências na interpretação da nova legislação em defesa do Estado de direito também.
Houve diferenças entre os ministros, mas foi notável uma preocupação com a demonstração da responsabilidade subjetiva de cada réu em cada ação criminosa. O mesmo aconteceu na imposição das penas, duras, diante das evidências, não draconianas. No geral, notou-se uma aplicação isenta e firme, mas equilibrada, da lei.
Pelo seu caráter de retribuição, presente na própria noção de justiça o veredicto envolve uma catarse inevitável. Seu sentido maior é de se constituir como um marco histórico para a estabilidade democrática num país de tantas desventuras golpistas.
Essas três primeiras condenações, em mais de mil processados, trazem a necessidade de que se leve em conta o contexto que levou à escalada golpista que culminou no 8 de janeiro. Há aí a obrigação de identificar a cadeia de responsabilidade pela criação do ambiente que resultou nesses crimes. É de conhecimento geral que o ex-presidente Jair Bolsonaro militou seguidamente para semear a suspeita e o ódio em relação ao sistema eleitoral e também em relação a tribunais superiores. Houve incitadores também entre a hierarquia das Forças Armadas, em especial, do Exército.
Seria injusto que o STF liberasse a mão pesada da lei sobre os pequenos perpetradores e, contra os cabeças da intentona, deixasse prevalecer a leveza ou, ainda pior, a omissão.
Também parece evidente a necessidade de punir a omissão intencional do comando da Polícia Militar de Brasília na proteção à praça dos Três Poderes. Do mesmo modo, será necessário apurar a conivência da cúpula militar com os acampamentos golpistas que se reuniram em torno dos quartéis durante meses.
A gravidade das três primeiras condenações não deve servir como biombo para ocultar impunidades. Os acampamentos eram ajuntamentos criminosos para o cometimento do que veio a ser caracterizado como “crime de multidão”. Quem foi cúmplice deles, por financiamento ou por lhes dar abrigo, tem que ser punido de acordo com o grau de sua responsabilidade.
Se poupar os grandes, o STF transformará um juízo histórico num palco deprimente de impunidade para os poderosos.
*247