De lavagem de dinheiro a tráfico de armas e exploração de máquinas caça-níqueis: as atividades criminosas que dez empresas ligadas a investigados escondiam.
Por trás de um crime, um emaranhado de empreendimentos ilegais. A investigação dos homicídios da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes tirou das sombras uma rede de negócios controlada pelos acusados de envolvimento nos assassinatos. O GLOBO mapeou, a partir da análise de documentos anexados a cinco processos a que responde na Justiça o ex-PM Ronnie Lessa — apontado como responsável pelos disparos que mataram a vereadora —, dez empresas ligadas a ele e a seus comparsas que funcionariam como fachada para a exploração de atividades criminosas ou que são suspeitas de serem usadas para lavar dinheiro da quadrilha, segundo O Globo.
As firmas estão em nome do próprio Lessa, de outros quatro envolvidos no caso, de parentes próximos e também de laranjas. Fazem parte do leque desses negócios ilegais o tráfico de armas, a exploração de sinal clandestino de internet, o monopólio da venda de galões de água em favelas e a administração de um bingo e de máquinas caça-níqueis.
Armas para academia
A única empresa que Lessa tem em seu nome é a Supernova Saúde do Corpo, academia de ginástica aberta em 2013 por ele com a mulher, Elaine, na rua mais movimentada de Rio das Pedras, favela da Zona Oeste conhecida como o berço das milícias no Rio. O estabelecimento tinha um lado oculto: o tráfico internacional de armas.
Uma investigação da Polícia Federal descobriu que o ex-PM usava o nome da empresa para importar acessórios de armas clandestinamente. Em 2017, a Receita Federal interceptou no Galeão um pacote com 16 quebra-chamas — peça usada para ocultar a chama de disparos e esconder a posição do atirador —, que tinha como destinatário a academia. A investigação mostrou que houve outra compra de peças de armas em nome da Supernova. Por causa do esquema, ele foi condenado, na Justiça Federal, a cinco anos de prisão por tráfico internacional de material bélico.
Outro negócio criminoso de Lessa envolveu um integrante da cúpula do jogo do bicho no Rio e um laranja. A partir da quebra do sigilo do celular do ex-PM, o Ministério Público do Rio (MPRJ) descobriu que ele e o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel — preso na semana passada sob a acusação de ter participado de preparativos do homicídio de Marielle —, se associaram ao bicheiro Rogério Andrade para abrir um bingo no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, meses após a execução da vereadora. Lessa cuidou da compra do restaurante.
O acerto foi feito, mas em nome de um laranja: “personagem de baixa renda, pouca idade e sem nenhuma correlação com a sobredita atividade empresarial”, segundo o MPRJ. Suel entregou as chaves ao novo proprietário, Gustavo Andrade, filho de Rogério. Depois, Suel e Lessa trataram de reformar o local, da contratação de funcionários e até da definição dos pratos que seriam servidos na abertura. No entanto, no dia da inauguração, em 24 de julho de 2018, uma operação da PM interditou o local e apreendeu os caça-níqueis. Coube a Lessa acionar seus contatos para tirar o material da delegacia e garantir, por meio de propinas, o funcionamento do bingo — reaberto em setembro. Por suas atuações no episódio, o ex-PM e o ex-bombeiro são réus pelos crimes de corrupção ativa e organização criminosa.
Monopólio da água
Mensagens extraídas do celular de Lessa também revelaram que, pouco antes de ser preso, ele tinha planos de começar um negócio de venda de galões de água mineral em favelas. “Vamos vender água. Esse vai ser o pulo do gato”, explicou o ex-PM a um amigo em setembro de 2018. Segundo as mensagens, Lessa já tinha até um depósito no Complexo do Lins e planejava fechar acordo com a facção que domina o tráfico na favela para ter exclusividade no negócio. A empreitada foi frustrada por sua prisão, em março de 2019.
Lessa e Suel também eram sócios na exploração do sinal clandestino de internet em bairros da Zona Norte do Rio — atividade comum em áreas dominadas por milícias. Em sua delação premiada, o ex-PM Élcio de Queiroz, que admitiu ter dirigido o Cobalt usado nos assassinatos de Marielle e Anderson, revelou como os sócios dividiam o bairro.
Para a PF, Suel começou a explorar a atividade ainda em 2008, quando abriu a empresa Flash Net Prestadora de Serviços de Comunicação e Multimídia, cuja sede fica justamente na área dominada. O monopólio é garantido por ameaças aos moradores: “Maxwell está impedindo moradores de instalarem seus serviços de internet, para que os mesmos solicitem os serviços da milícia. Os moradores têm fios de internet cortados e são ameaçados”, relata denúncia de 2019 citada num relatório da PF sobre a morte de Marielle. Em depoimentos à Polícia Civil, tanto Lessa quanto Suel negaram explorar atividades ilegais.