O decreto do governo Lula sobre armas, divulgado nesta sexta (21), tenta podar a violência e as mortes semeadas pelo governo Bolsonaro – que liberou pistolas, fuzis e munição em quantidade suficiente para empoderar seus seguidores a tentarem qualquer coisa. Até um golpe de Estado.
Para além da redução no número de armas que podem ser adquiridas pelos CACs (que, em sua grande maioria, não são caçadores, atiradores e colecionadores, mas pessoas que simplesmente queriam um berro na cintura), o decreto devolve os calibres 9 mm, .40 e .45 para o uso restrito das forças de segurança e impede que os tais CACs transitem com armas carregadas.
O governo vai permitir que as armas que ultrapassem os limites do atual decreto adquiridas durante a gestão Jair sejam mantidas, mas lançará um programa de recompra com preços atrativos. E vai encurtar o prazo de renovação do registro, aumentar a fiscalização do uso (sai Exército, entra Polícia Federal) e não descarta a devolução obrigatória se os números da violência aumentarem.
Durante as eleições, o Brasil presenciou uma série de assassinatos estúpidos cometidos por motivos políticos. E vimos o que aliados próximos do ex-presidente são capazes de fazer com uma arma na mão.
Em 23 de outubro do ano passado, o ex-deputado Roberto Jefferson deu mais de 50 tiros de fuzil e jogou três granadas contra policiais federais que tentaram cumprir uma ordem do Supremo Tribunal Federal contra ele. No dia 29, a deputada Carla Zambelli perseguiu um homem negro com uma pistola em punho pelas ruas do rico bairro dos Jardins, na capital paulista, após ser ofendida.
Após a vitória de Lula, golpistas, muitos dos quais orgulhosamente armados, postando seus canos nas redes sociais, aninharam-se na porta de quartéis. Ameaçam golpear a democracia, como, de fato, aconteceu em 8 de janeiro deste ano.
Mas os efeitos dos decretos de Bolsonaro liberando armas foram sentidos fora da política. Uma sociedade ultrapolarizada e armada produz mortos em uma quantidade maior do que uma sociedade tolerante e desarmada. Pipocaram brigas de trânsito que terminaram com uma bala na cabeça, como o caso de Lindomar da Silva, baleado pelas costas após bater no carro de um empresário em Mogi Guaçu (SP), em agosto passado. Lindomar é CAC.
Esse tipo de morte acontecia enquanto as armas eram incensadas pelo então presidente como solução dos problemas. E quando a flexibilização do controle de acesso a elas, que ele diligentemente executou, permitiu que desavenças comuns tivessem fins trágicos, quando alguém perde a cabeça e puxa o gatilho. Em outras palavras, a herança de Jair foram pessoas mais armadas e empoderadas para usá-las.
Parte dos seus seguidores questiona a responsabilidade da banalização do uso das armas de fogo, afirmando que elas levaram à queda no número de homicídios durante o seu mandato.
Mortes caíram sim, mas por conta da efetivação de políticas estaduais de segurança pública ao longo da última década, pelo armistício em guerras travadas por facções do narcotráfico (especialmente a partir de 2017) e pela transição etária do Brasil, que está ficando menos jovem e, com isso, com menos casos de violência. Se não tivéssemos o armamentismo de Bolsonaro, a redução poderia ter sido ainda maior.
Desde a campanha de 2018, ele alimentava seus fiéis com uma retórica de que estavam em uma guerra do bem contra o mal. Uma cruzada para impor ao Brasil os “valores corretos” – processo pelo qual, segundo bolsonarismo, vale a pena pegar em armas para matar ou morrer.
Mas segundo pesquisa Datafolha do ano passado, 69% dos brasileiros afirmavam discordar de um dos principais lemas de Jair: “Um povo armado jamais será escravizado”. Até porque um povo armado se mata.
Cruzemos os dedos para que o decreto seja efetivo e que Jair tenha razão.
Leonardo Sakamoto/Uol