O “comovente” comercial da Volkswagen celebra os bons tempos da ditadura militar, que a empresa apoiou o tanto que pôde, e a tecnologia que permite comercializar até os mortos.
Cantora e compositor sempre lutaram contra a ditadura. Mas não importa.
A música é sarcástica e desiludida. Não importa, os publicitários não entendem a letra. Elis queria cantar para os operários, não para seus patrões. Não importa, são os patrões que têm dinheiro para pagar pelo cadáver que a filha está disposta a vender.
Quando foi intimada pelos militares a explicar suas posições políticas, Elis depôs no Centro de Investigações do Exército do Rio de Janeiro. Se tivesse sido em São Paulo, talvez tivesse passado por algum dos veículos que a Volkswagen cedia para a tristemente célebre Operação Bandeirantes, destinada a perseguir, torturar e matar “subversivos”.
A empresa que celebra sua kombi elétrica com discurso pseudoecológico é a mesma que, não faz muito tempo, foi condenada por instalar um software que fraudava o controle de poluentes de seus veículos. A concorrência é difícil, mas é uma das multinacionais com registro mais sórdido de apoio entusiástico a todo o tipo de ditadura.
É correto que a memória de artistas seja vilipendiada dessa forma? Para estrelar um comercial apelativo, com o qual, até onde é possível pensar, nunca concordariam? Para vender tudo aquilo contra o qual sempre lutaram – conformismo, consumismo, alienação?
A Elis morta, que permanece viva para todos os que apreciam a música brasileira, é uma artista talentosa, sagaz, autêntica e comprometida com seu povo e seu tempo.
A Elis revivida por técnicas avançadas de computação é um triste simulacro, testemunho da mercantilização acelerada de tudo e do poder destruidor do dinheiro. Só nos resta esperar que seja esquecida logo.
E digo mais: o deep fake que encantou tanta gente é uma porcaria. O fantasma criado para promover a montadora é artificial, robótico, antipático – o oposto do que Elis sempre foi.
*Por DCM