Ex-presidente prometeu ressurgir como “cabo eleitoral de luxo”, mas ainda tem contas a acertar com a Justiça.
No voto que selou a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, a ministra Cármen Lúcia afirmou que os atos do capitão expuseram uma “consciência de perverter”. A expressão foi cunhada pelo jurista italiano Francesco Carnelutti (1879-1965). Define a conduta de quem sabe não ter razão, mas age como se a tivesse.
Bolsonaro sabia que as urnas eletrônicas eram confiáveis e podiam ser auditadas. Sabia que seu código-fonte estava aberto a partidos e entidades fiscalizadoras. Sabia que a Justiça Eleitoral não tinha lado — e jamais se prestaria a participar de um complô para prejudicá-lo.
Apesar de saber disso tudo, o capitão tentou convencer os eleitores do contrário. De forma consciente, usou a estrutura da Presidência para propagar mentiras e teorias conspiratórias.
As urnas não foram o único alvo das fake news bolsonaristas. Enquanto esteve no poder, o ex-presidente recorreu ao mesmo expediente para fustigar as universidades, desacreditar a imprensa, acuar os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente. A cada passo, buscou fabricar um novo inimigo. Assim manteve viva a aura de político antissistema, mesmo depois de subir a rampa e se instalar no centro do poder.
Foi na pandemia que a consciência de perverter produziu seus danos mais nocivos. Na contramão da ciência, o capitão sabotou as medidas de distanciamento, boicotou o uso de máscaras e liderou uma campanha de desinformação contra as vacinas.
Foi na pandemia que a consciência de perverter produziu seus danos mais nocivos. Na contramão da ciência, o capitão sabotou as medidas de distanciamento, boicotou o uso de máscaras e liderou uma campanha de desinformação contra as vacinas.
A inelegibilidade é um castigo modesto para o conjunto da obra de Bolsonaro. Após o julgamento, o ex-presidente anunciou que seguirá na política como “cabo eleitoral de luxo”. Faltou lembrar que ele ainda responde a uma série de investigações criminais. O desfecho dos casos mostrará se o ministro Alexandre de Moraes estava certo quando disse que a Justiça pode ser cega, mas não é tola.
*Bernardo Mello Franco/O Globo