Sem empregar malabarismos retóricos, o discurso de Lula na manhã desta sexta-feira, 23 de junho, em Paris, mostrou a força única de um estadista capaz de conversar com a História presente.
O Valor Econômico informa que naquele dia o presidente brasileiro fez o discurso mais aplaudido de um encontro de nome pomposo e finalidade nebulosa (“Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global)”, que reuniu uma centena de chefes de governo do planeta.
Palmas sempre querem dizer alguma coisa mas não dizem tudo.
Sem deixar-se intimidar pelas personalidades que falam pelos maiores PIBs (e maiores exércitos) do planeta, Lula consumiu 20 minutos num discurso sobre o ponto realmente fundamental.
Ao se referir a acordos econômicos e compromissos morais que pareciam tão promissores no final da Segunda Guerra Mundial, quando se venceu os horrores do nazismo que hoje ameaça retornar em várias partes do planeta, com a cumplicidade de várias parcelas do poder mundial, o presidente brasileiro mostrou uma postura insubstituível.
Abriu um debate único e indispensável para uma conversa sem hipocrisia, capaz de discutir os impasses e perplexidades de um planeta em fase nitidamente regressiva, pois já debateu “investimento em países pobres e hoje debate o protecionismo dos países ricos”.
Evitando o papel conveniente de enfeite ecológico que costuma ser a fantasia mais agradável de representantes de um país que abriga a Amazônia, cobrou responsabilidades de todos e cada um quando fez o esclarecimento fundamental.
“Eu não vim aqui para falar somente da Amazônia,” disse. “Eu vim aqui para falar que, junto com a questão climática, nós temos que colocar a questão da desigualdade mundial. Não é possível que, numa reunião entre presidentes de países importantes, a palavra desigualdade não apareça. A desigualdade salarial, a desigualdade de raça, a desigualdade de gênero, a desigualdade na educação, a desigualdade na saúde “.
“Ou seja, nós somos um mundo cada vez mais desigual, e cada vez mais a riqueza está concentrada na mão de menos gente, e a pobreza concentrada na mão de mais gente,” disse.
Deixando claro que, sem abrir caminho para um debate honesto sobre as condições materiais de existência da humanidade, em todas as latitudes do planeta, Lula mostrou-se capaz de cumprir um papel insubstituível.
Sem medo de falar claro sobre assuntos graves, Lula repetiu, em escala universal, aquele comportamento que marca uma história iniciada há meio século sob uma ditadura militar que torturava no andar debaixo e afinava a voz para as camadas de cima.
Com uma estatura política que raros estadistas do planeta podem exibir, esculpida pelo conhecimento infinito que a vida lhe trouxe — na pobreza de Garanhuns, nas lutas metalúrgicas do ABC, no Planalto e na cela de Curitiba –, ele retorna ao país depois de lembrar ao planeta que não haverá saída sem a emancipação dos mais pobres e a libertação dos oprimidos.
Foi essa a lição que Lula deixou em Paris, num discurso histórico e sem enrolação, de quem fala o que é preciso dizer sem perder a simpatia, como se estivesse entre velhos e bons amigos numa mesa de bar em qualquer botequim do planeta.
Alguma dúvida?
*Paulo Moreira Leite/247