Desde a redemocratização do Brasil, em 1985, o país tem trilhado um caminho tortuoso de construção e fortalecimento da democracia. Muito recentemente, após a posse de Lula na Presidência pela terceira vez em eleições de grande comparecimento, o Brasil se deparou com uma nova grave ameaça: uma inaceitável escalada de eventos culminou na intentona golpista de 8 de janeiro, com a invasão e vandalismo generalizado nos prédios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.
É fundamental que a sociedade brasileira rejeite veementemente essas ações antidemocráticas de uma vez por todas. O Supremo Tribunal Federal tem se empenhado em investigar e punir os responsáveis pela tentativa de golpe, e uma comissão de investigação está começando seus trabalhos no Congresso. Nada nem ninguém deve estar fora do alcance dessas apurações e das devidas punições.
Chegamos a um ponto em que não se pode duvidar da participação de militares nesses acontecimentos. No entanto, ainda precisa ser estabelecido em que medida a própria hierarquia participou da conspiração. É necessário ressaltar a gravidade da situação, destacando a omissão ou ajuda criminosa das próprias unidades do Exército responsáveis pela segurança do Palácio do Planalto. Por uma estranha coincidência, houve uma sequência inacreditável de desmobilizações nos esquemas de segurança da Polícia Militar de Brasília, o que acabou colaborando com a invasão e o vandalismo.
A falha em proteger as instituições democráticas, permitindo a invasão dos prédios e o vandalismo generalizado, demonstra uma quebra de confiança e um desrespeito ao juramento de defender a Constituição que esses militares fizeram.
Os acontecimentos de 8 de janeiro não podem ser considerados isolados do contexto que os gerou. É inaceitável a tolerância e apoio dos altos comandos das três Forças, especialmente do Exército, que foram espectadores passivos e apoiadores ativos de acampamentos que pediam um golpe ao longo de meses.
Existem precedentes que serviram como exemplos para a turba que se lançou sobre os palácios. Os generais do Alto Comando têm responsabilidade nisso. O golpe, em certo sentido, seria o resultado natural do que estava sendo semeado e tolerado no entorno e no interior da caserna. Esse movimento golpista disseminado em todo o país contou, no mínimo, com a leniência intolerável do Alto Comando militar, parte do qual ainda ocupa cargos no governo Lula. A pergunta que fica é: haverá punições para os comandos militares envolvidos?
A postura injustificável adotada por esses militares constitui uma situação extremamente preocupante, pois, além de contrariar a Constituição, enfraquece a imagem das Forças Armadas como instituição apolítica e comprometida com a defesa da democracia.
Uma atenuante nesse envolvimento conspirativo do comando das Forças Armadas vem à tona agora com a providencial divulgação de mensagens trocadas em grupos de oficiais golpistas, revelando a frustração com a omissão do Alto Comando na hora decisiva, no final do ano passado, quando o golpe deveria ter sido deflagrado.
Tudo deve ser investigado, independentemente da posição dos envolvidos. É fundamental que a sociedade e as autoridades competentes se posicionem com firmeza diante desses acontecimentos, sem fechar os olhos ou tergiversar de qualquer forma.
Devemos aprender com os anos obscuros da ditadura militar, um período em que a democracia foi subjugada e os direitos humanos violados. As décadas deste século não foram livres de solavancos constantes, com conspirações que impulsionaram o mensalão, a Lava-Jato e o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff.
Diante disso, é imperativo que os responsáveis por esses atos sejam identificados, julgados e punidos exemplarmente. A justiça deve agir de forma rápida e eficaz, sem deixar margem para impunidade. A punição não deve se restringir apenas aos executores diretos dos vandalismos, alguns dos quais podem ter sido meros seguidores desinformados, mas também aos mandantes e cúmplices, sejam eles militares ou civis.
A punição exemplar de militares golpistas vai além de uma questão de justiça, é um ato de defesa da democracia brasileira. Envia uma mensagem clara de que atentados contra instituições democráticas não serão mais tolerados e de que haverá rigor na proteção do Estado de Direito. Devemos reafirmar a convicção de que a democracia é o único caminho para a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária.
As Forças Armadas devem ser as primeiras a reafirmar, por meio de ações punitivas transparentes entre seus pares, o compromisso com a democracia e com a Constituição. Intentonas golpistas devem ter consequências exemplares. Se a impunidade militar prevalecer, a fermentação golpista encontrará terreno fértil em milhares de outros grupos de mensagens, preparando-se nas sombras para novas ações autoritárias, inclusive com o apoio de generais do Alto Comando que convenientemente tentam se passar por convertidos à democracia.
*Com 247