Chico Alves*
O presidente Lula descobriu rápido que a relação de fisiologismo que boa parte do Congresso tem com o governo se agravou muito desde a última vez que esteve no poder. Antes, o “toma lá, dá cá” era a tônica do Centrão, mas em valores menores e regras mais definidas. Hoje, os fisiológicos exigem cada vez mais recursos para apoiar projetos de interesse do Executivo, mas o resultado tem sido cada vez menos previsível.
Não deixa de ser curioso que esse escambo imoral tenha se elevado ao patamar atual justamente durante o mandato de Jair Bolsonaro, aquele que foi eleito presidente dizendo que iria acabar com o “toma lá, dá cá”. Depois de iniciar a gestão amargando sucessivas derrotas por falta de apoio no Congresso, Bolsonaro se rendeu completamente ao Centrão.
Sob as ordens de Davi Alcolumbre, então presidente do Senado, e Arthur Lira, presidente da Câmara, o chefe do Executivo permitiu que fosse criado em 2020 o orçamento secreto. Dessa forma, bilhões em emendas foram encaminhados a políticos aliados escolhidos por Alcolumbre e Lira, sem que os órgãos de controle tivessem informação sobre quem recebeu e quanto.
Essa aberração irrigou os redutos de candidatos do Centrão, que, com mais recursos que os adversários, conseguiram na eleição passada expressiva vitória sobre aqueles políticos que não usam esse tipo de artifício. O resultado é um Congresso que bate recordes tanto de reacionarismo quanto de fiosiologismo. Essa legislatura tem uma gigantesca parcela de parlamentares que pouco ligam para discussões sérias sobre os destinos do país. Com autonomia inédita que experimentaram na gestão Bolsonaro, querem apenas saber o quanto podem ganhar a cada votação.
De forma vergonhosa, alguns usam os recursos que sugaram dos cofres públicos para enriquecimento ilícito. Foi assim no caso dos kits robótica comprados por municípios de Alagoas e Pernambuco, que saíam da fábrica ao preço de R$ 2.700 e eram comprados para escolas públicas por R$ 14 mil — um exemplo de superfaturamento descarado, com dinheiro do orçamento secreto.
Outros utilizam os recursos para adubar o eleitorado de parceiros políticos que vão fortalecer mais à frente suas campanhas. Foi o que mostrou a matéria dos jornalistas João Pedro Pitombo, Artur Rodrigues, Flávio Ferreira e Schirlei Alves, publicada hoje na Folha de S. Paulo. A reportagem revela como a estatal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), ninho de frequentes denúncias de corrupção, está sendo usada para uma nova modalidade de prática eleitoreira.
A tecnologia dos fisiológicos se aperfeiçoou a tal ponto que os deputados do Centrão não mais indicam as prefeituras para receber máquinas agrícolas, evitando eventualmente fortalecer algum prefeito adversário. As benesses passaram a ser encaminhadas para associações privadas.
Em casos como o da Codevasf, o governo bota na mão do Centrão a distribuição de recursos e benesses sem sequer tirar proveito político disso — é a oposição que leva os louros.
Quanto à liberação de emendas — oficialmente, o orçamento secreto não existe mais, mas a prática é quase a mesma —, os parlamentares da atual legislatura mostram que não há correspondência nas votações de interesse do governo. Uma prova disso é a MP dos ministérios, que usurpou do Executivo o direito de desenhar a máquina administrativa da forma como achasse melhor.
Sobre esse episódio, o próprio Elmar Nascimento, líder do União Brasil na Câmara, reconheceu que é prerrogativa do governo estruturar os ministérios como quiser, mas alega que a MP foi um “recado” ao Executivo, para fazê-lo negociar.
Em outras palavras: foi chantagem para que o presidente liberasse mais cargos e verbas.
É difícil pensar em negociação política com o Centrão agindo sempre assim, em busca de cifras.
Pelo bem do Brasil, espera-se que Legislativo e governo encontrem um ponto de convergência.
A solução definitiva, porém, depende do eleitor.
Que cada deputado envolvido nesse tipo de tramoia tenha o nome devidamente anotado, para que não receba mais votos na próxima eleição. Esta seria uma providência tão simples quanto decisiva.
Com o Congresso atual, o que resta ao governo é apenas tentar a redução de danos.