Por Mario Vitor Santos
O livro de Emilio Odebrecht sobre a Lava-Jato traz aos leitores a oportunidade de acompanhar um depoimento em primeira pessoa, de um megaempresário, tratando das entranhas da máquina que triturou um dos maiores conglomerados do país. O titulo já diz tudo: “Uma Guerra contra o Brasil”, acompanhado pelo subtítulo: “Como a Lava-Jato agrediu a soberania nacional, enfraqueceu a indústria pesada brasileira e tentou destruir o grupo Odebrecht “.
A obra entrega o que promete. Faz uma detalhada descrição de como a Justiça, de Sergio Moro ao Supremo Tribunal Federal, abrigou todo tipo de abuso, até a tortura, psicológica e física, para atingir o objetivo de prender e condenar Lula.
Chega a ser irônico observar, nos relatos que vêm saindo nos veículos da “grande mídia”, como não se encontram nestes menções a um aspecto central do relato do dono da Odebrecht: a participação estrutural dela na conspiração de que participou o ex-procurador Deltan Dallagnol, ontem cassado.
Pois o livro é justamente também um libelo, de 316 páginas, contra a própria mídia.
Não há capítulo em que ela não seja mencionada, em que não se mostre seu conluio com o juiz declarado suspeito e seus cúmplices procuradores de Curitiba, como o próprio Dallagnol.
É significativo que tantas menções à mídia ao longo da obra desapareçam de todas as resenhas e críticas ao livro até agora publicadas.
A partir do que vem ali à tona, como sugeriu o ministro Gilmar Mendes, do STF, será necessário abrir inquéritos para apurar fatos como o descrito no seguinte trecho: “Após muito tempo encarcerados, e sofrendo com as pressões da força-tarefa sobre seus familiares, alguns capitularam e confessaram o que não fizeram, fornecendo informações falsas ou distorcidas que se transformaram em “provas”.
Odebrecht destaca como o mecanismo funcionava: “Sempre sob o foco das redes nacionais de TV, dos grandes jornais e de revistas semanais”, previamente alertados, a mídia participava das operações espetaculares de busca, apreensão e prisão dos investigados, tudo precedido de “dramaturgia de cinema”. A tortura começava na colaboração entusiasmada dessa mídia com os agentes policiais – armados até os dentes em roupa de camuflagem e aparato descomunal direcionado para a detenção de acionistas e executivos, gente que não era ainda nem sequer acusada formalmente, mas era submetida antes de tudo à sevícia da execração nacional.
Como diz Odebrecht, os membros da força-tarefa decidiram classificar doações a campanhas e partidos como propinas que eram oferecidas, segundo a Lava-Jato, em troca de contrapartidas futuras. Diz ainda: “A mídia brasileira comprou a tese e a difundiu com vigor. Nem mesmo as célebres e hidrófobas campanhas da imprensa contra Getúlio, Juscelino (“…dono da sétima maior fortuna do planeta, diziam os jornais) e João Goulart encontram paralelo com o que o Brasil viu nas bancas de jornais, na televisão e na internet durante a Lava-Jato.”
O livro descreve, página após página, a centralidade da mídia, para pôr de pé a “máquina de promoção da República de Curitiba”. Tudo coordenado num sistema de capilaridades.
Confrontada com a incômoda memória, com este desnudamento do seu modus operandi na Lava-Jato, como tem reagido a mídia conservadora? Ela tem se calado, recalcado qualquer reação sobre algum aspecto do livro que se refira à sua participação na Lava-Jato. Mas como, se a obra está coalhada de referências a esse processo midiático?
Em lugar de reagir, ela limita-se a omitir as informações sobre a farsa criminal e sobre a espirante delirante de torturas psicológicas (e ao menos uma física, como se verá no livro) que ajudou a perpetrar contra os acusados.
Mais do que isso, analistas e repórteres que se debruçam sobre a obra balbuciam como autômatos as acusações originais de Moro e Dallagnol, mesmo que elas já tenham sido exaustivamente desmontadas.
O que dizer de escribas e veículos que se recusam a observar os próprios erros, e quando mencionados desviam o olhar? Vale a pena levar a sério quem se recusa a retirar lições, reconhecer erros tão graves, fazer autocrítica?
Para eles, nada mudou. Farão de novo. Às favas o jornalismo, desfigurado por práticas de conluio com objetivos políticos, avassalado à cobiça estrangeira, esta interessada em destruir empresas brasileiras.
Haverá revisão da floresta de hagiografias dedicadas a Moro e Dallagnol na mídia lavajatista? Seus autores recolherão os livros? Não. Para a imprensa conservadora brasileira, a verdade deixou de ser um valor. Pode desconversar, mas não há como negar que ela agora é cassada junto com o parceiro Deltan Dallagnol, a quem ela tanto inspirou, ajudou e incensou.
Veículos e jornalistas deveriam pedir desculpas a indivíduos, empresas e governos cujas existências arruinaram. Alguém acredita?
Jornalistas pela Democracia