Polícia Federal investiga mais um documento feito por Torres para montar operações no dia da eleição

Polícia Federal investiga mais um documento feito por Torres para montar operações no dia da eleição

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A Polícia Federal investiga se um documento feito a pedido do ex-ministro da Justiça Anderson Torres entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial, com dados territoriais e de efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da PF, foi usado com o objetivo de montar uma operação para dificultar a votação de eleitores do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, segundo Agenda do Poder.

Além do mapeamento sobre os locais onde o petista foi mais bem votado, a ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça Marília de Alencar disse em depoimento que a área técnica da pasta foi demandada por Torres para levantar a quantidade de agentes de cada corporação que poderia ser usada no dia da votação.

Trata-se do segundo documento feito a mando de Torres no ministério na mira da investigação. Esse planejamento foi encaminhado ao então superintendente da PF na Bahia, Leandro Almada.

Às vésperas do segundo turno, Torres viajou à Bahia — onde Lula tem votação expressiva — para uma reunião com Almada na qual pediu que a corporação trabalhasse junto com a PRF nas operações de 30 de outubro.

Naquele dia, segundo dados do Ministério da Justiça, a corporação parou 324 ônibus em estradas do Nordeste, onde Lula obteve seus maiores índices de votação, enquanto no Centro-oeste foram 152; no Sudeste, 79; no Norte, 76; e no Sul, 65. Segundo o atual diretor-geral da PRF, Antônio Fernando Oliveira, a atuação da polícia na ocasião foi “desproporcional” no Nordeste, com mobilização superior à empregada durante as festividades de São João, maior operação da corporação na região.

Os detalhes desse segundo documento investigado constam do depoimento prestado à PF pela delegada Marília de Alencar no último dia 13, obtido na íntegra pelo Globo.

Alencar era diretora de Inteligência na gestão de Torres no ministério, subordinada à Secretaria de Operações Integradas (Seopi). A delegada confirmou ter feito, a pedido do então ministro, um relatório com os resultados do primeiro turno por localidade.

De acordo com o depoimento de Alencar, a justificativa apresentada por Torres para a elaboração de todos os levantamentos era a necessidade de a PRF e a PF coibir crimes eleitorais, como compra de votos.

Os documentos internos eram chamados de “BI” (business intelligence), espécie de planilha que permite que vários servidores insiram dados simultaneamente.

A ex-diretora de Inteligência disse que a planilha sobre a distribuição do efetivo da PRF foi elaborada com informações entregues pela própria corporação e “se referiam apenas à localização das unidades operacionais já existentes de forma fixa”.

Ela afirmou “acreditar que os dados da PRF tinham o intuito de solicitar recursos para custear as diárias (no dia do segundo turno)”.

Ainda segundo Alencar, o levantamento sobre a PRF não chegou a ser entregue a Torres porque ela e outro diretor do ministério constataram que “a planilha era pobre em informações e não servia para atender ao que o MJSP (ministro) havia solicitado, que era visualizar no mapa como estava distribuído o efetivo das polícias (PF e PRF) que atuariam nas eleições em cada Estado”.

Além da planilha sobre a PRF, conforme a delegada, Torres pediu também um documento com a organização da Polícia Federal, “este apresentado de forma completa”.

A ex-auxiliar contou que, às vésperas do segundo turno, por determinação de Torres, encaminhou esse documento ao chefe da PF na Bahia, Leandro Almada, com quem o ministro havia se reunido. Um dos principais focos da investigação hoje é esclarecer o teor da reunião entre Torres e Almada.

De acordo com Alencar, o primeiro relatório investigado, com as votações mais expressivas no primeiro turno, não englobava apenas os eleitores de Lula, mas também os de Bolsonaro.

A PF suspeita que esse relatório — feito com dados públicos da Justiça Eleitoral — tenha sido um dos que serviram de base para as blitze montadas pela PRF no dia do pleito, com maior incidência no Nordeste, reduto de Lula.

Sobre esse relatório, Alencar disse que pediu a um servidor do ministério “que confeccionasse um documento com o resultado das eleições, mencionando os resultados nos quais cada um dos dois candidatos a Presidente da República tiveram mais do que 75% de votos no primeiro turno, confrontando com os partidos políticos dos respectivos prefeitos de cada município do Brasil inteiro, o que poderia caracterizar indicativo de compra de voto”.

Ela contou que imprimiu essa planilha e a “apresentou ao ministro Anderson Torres em reunião na qual também estavam presentes outros servidores da Seopi”. Acrescentou ainda que não repassou essas informações a terceiros e nem à Polícia Rodoviária Federal, mas respondeu que “não sabe dizer se o ex-ministro Anderson Torres repassou as informações em questão para a PRF” e que “acredita que o ex-ministro ficou com a planilha impressa”.

Alencar também relatou à PF que, em 30 de outubro, trabalhou no Centro Integrado de Comando e Controle (CCIN) do ministério e, ao chegar ao local, soube da “confusão envolvendo a atuação da PRF no dia” devido às blitze que estavam “impedindo os eleitores de votarem”. Ela disse que “a ação da PRF chamou a atenção pela forma como estava sendo noticiada, sendo que chegaram a comentar no ambiente se aquilo de fato estaria ocorrendo ou mesmo se seria uma atuação intencional da PRF, de tão absurdo que era”.

Questionada sobre eventual interferência do Ministério da Justiça na atuação da PRF, a delegada respondeu “não saber dizer se houve (interferência) por parte do então ministro Anderson Torres”, pois “não tem como dizer o que era conversado entre o então ministro e os então diretores-gerais da PF e da PRF em reuniões reservadas”.

A delegada também foi questionada pela PF sobre arquivos apagados de seu celular. O aparelho foi entregue aos investigadores depois dos atos golpistas de 8 de janeiro.

Na ocasião, ela ocupava um cargo na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, recém-assumida por Torres. Segundo Alencar afirmou à PF, ela não tinha a intenção de apagar provas do telefone — do contrário, teria formatado o aparelho, o que não fez.

Alencar afirmou ter deletado apenas “arquivos pessoais e íntimos, além de conversas antigas de inteligência, de cunho sigiloso”. “A declarante ressalta que apagar conversas de inteligência é uma recomendação de contrainteligência, visando proteger as informações”, registrou a PF no depoimento.

Procurado pelo Globo, o advogado Octavio Orzari, que representa a delegada, afirmou em nota que ela prestou esclarecimentos à PF voluntariamente, “não tem vínculos ou pretensões políticas” e desenvolve um trabalho técnico.

“Como diretora de Inteligência, realizou demandas dentro de suas atribuições, afirmando em seu depoimento à Polícia Federal que os levantamentos realizados no período eleitoral se destinaram à análise de dados para verificação de ocorrência de crimes eleitorais, com abrangência em todo o Brasil e ambos os espectros políticos, não possuindo, de sua parte, qualquer vínculo com a atuação da PRF no segundo turno”, disse o defensor.

Ao STF, a defesa de Anderson Torres tem sustentado sua inocência e negado qualquer envolvimento, por ação ou omissão com atos contrários à democracia.

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