Jamil Chade*
A diplomacia do novo governo brasileiro vive seu momento decisivo. Ao apostar na manutenção do diálogo com todos os lados envolvidos na guerra da Ucrânia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agora caminha por um percurso dos mais arriscados. Se a independência de sua política externa é o centro de sua estratégia de inserção internacional, as declarações apontando o dedo aos ocidentais abrem um momento desafiador.
Americanos e europeus já deixaram claro que não apreciaram a postura de Lula nos últimos dias. Esperavam do brasileiro um certo grau de gratidão pelos
apoios que deram à democracia brasileira. Em diplomacia, não existem amigos e nem ideologia. Apenas interesses.
Qual era o interesse deles? Trazer o Brasil para o bloco ocidental.
Dentro do Itamaraty, porém, a percepção é de que não houve sinalização da parte dos americanos e europeus de uma relação equilibrada. Bruxelas continuam a dificultar acordo comercial com o Mercosul, enquanto Joe Biden continua distante.
Num esforço de criar um espaço próprio na geopolítica internacional, o novo governo deu sinalizações a ambos os campos.
Mas Lula deu sinalizações aos russos quando:
- Votou ao lado de Moscou numa resolução no Conselho de Segurança pedindo uma investigação sobre a explosão do gasoduto no Mar do Norte.
- Recebeu o chanceler Serguei Lavrov e não rebateu a declaração do russo de que os dois países têm a mesma perspectiva sobre a guerra.
- Sinalizou apoio ao plano de paz chinês
- Equiparou Ucrânia e Rússia na responsabilidade pela continuação do conflito Disse que europeus e americanos prolongam a guerra.
- Sugeriu que a retomada da Crimeia fosse abandonada pelos ucranianos.
- Criticou as sanções impostas contra Moscou.
Quais são os riscos:
Para diplomatas, a realidade é que a ideia de paz como um acerto negociado com o Kremlin não atende aos objetivos de americanos e europeus de enfraquecer Putin. Na Casa Branca, o objetivo é de que o presidente russo saia debilitado do conflito. E não consolidado.
Portanto, Lula corre o risco de ser um obstáculo a esse objetivo.
Mas, para esses observadores, se simplesmente assumir o posicionamento da Rússia ou da China no conflito, o Brasil corre o risco de perder o status que ainda luta para ter de interlocutor privilegiado entre os dois campos. E, acima de tudo, de abrir uma porta perigosa de legitimação de violações.
Se o argumento da paz for apenas um instrumento para acelerar um maior equilíbrio entre o novo bloco emergente e as potências Ocidentais, a estratégia não será vista como neutralidade.
Como explicar isso às famílias de Bucha? Ou aos milhões de refugiados?
Para diplomatas estrangeiros, o governo Lula tem de dizer com insistência onde está na questão da agressão de uma potência estrangeira contra um país independente. E se fosse no Brasil?
*Uol