Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e a Operação Lava Jato de conjunto são os elos que alavancaram um período obscuro da História do Brasil. Chega a ser surpreendente que uma fala jocosa do Sérgio Moro seja considerada um fato preponderante para o seu enquadramento. É claro que a fala sobre Gilmar Mendes é uma ilegalidade passível de punição mas perto dos outros crimes de Sérgio Moro passa facilmente como “brincadeira descompromissada”. É surpreendente saber que as atividades de Sérgio Moro como magistrado permaneçam assuntos intocáveis – seja em nível de imprensa ou em nível jurídico (uma parte do mundo Direito se insurgiu contra as arbitrariedades de Moro e outra parte ignorou a gravidade do que foi feito).
As atividades nocivas da Operação Lava Jato representam um triste episódio de nossa História, episódio ainda pouco compreendido pelo grosso da população. Grande parte da população brasileira, vulnerável a retóricas das mais variadas não dispõe de tempo e nem a formação política e jurídica para avaliar o que a Operação Lava Jato promoveu no Brasil contra os seus próprios interesses, ou seja, a população trabalhadora não foi capaz de compreender que ela própria era o grande alvo da ofensiva. Pelo contrário, o povo celebrou a Operação como um “fato redentor”. Para muitos brasileiros ainda existe a ideia simplória de que a Operação buscava “purificar” o país da “corrupção”, ou seja, uma enorme incoerência. A Operação que pretendia “lavar a alma” contra a corrupção era na realidade um mega esquema bárbaro de corrupção, talvez o mais grave esquema visto no Brasil até a sua data. E ainda soa preocupante que uma parcela significativa das pessoas não compreendam tal fato. A História há de fazer a devida justiça, quanto à isso não restam dúvidas, mas esperamos que a população brasileira ainda abra os olhos para que esta não seja vítima novamente de possíveis reedições dessa prática conhecida como “Lawfare”, ou seja, o uso instrumental do aparato de Justiça para fins bélicos, ou seja, uma guerra pelo poder. Se normalizarmos que a Justiça seja de fato uma ferramenta política ou até geopolítica, onde iremos parar?
Aqui vale uma ressalva filosófica: a Justiça e os Magistrados sempre foram uma ferramenta de poder na História, a serviço de classes poderosas. Não há, neste sentido, novidade alguma no que foi a Operação Lava Jato. Todavia houve a criação de uma superestrutura ideológica ao longo do tempo de que os magistrados estariam à serviço do equilíbrio na sociedade (daí o uso da “balança” para representar a Justiça). Por muito tempo, sobretudo após a II Guerra Mundial, havia a crença amplamente disseminada de que o sistema de Estado burguês era “perfeito”, abusos de poder seriam invariavelmente enquadrados por um “ente imparcial” dos pesos e contrapesos do sistema que seriam os “puros” e “intocáveis” juízes. Acima do Juiz, aparentemente, só Deus. Só o fato do Estado burguês ser obrigado a criar este mito de imparcialidade revela a preocupação em maquiar a hipertrofia de poderes do Estado burguês. Mas a Operação Lava Jato, para entrarmos num exemplo nacional recente, quebra em definitivo este mito. A Operação foi montada para tirar um segmento da sociedade do poder e posicionar outro segmento e, “de quebra” criar o ambiente político para a ascensão da Extrema Direita, a aplicação de um amplo programa de destruição de direitos trabalhistas conquistados à duras penas pelos trabalhadores e a liquidação do Estado brasileiro com a privatização de empresas estatais e a perda de respeito e soberania do Brasil. A Operação Lava Jato, para muito além de uma Operação doméstica de guerra pelo poder também esteve à serviço de interesses geopolíticos em um momento que o Brasil despontava por meios dos BRICS como uma potência emergente.
Uma parte da elite brasileira sentiu na pele a perda de controle sobre os efeitos colaterais da Operação Lava Jato. A rota original dos fiadores do processo era de promover o câmbio de regime e as reformas burguesas sem que qualquer polêmica brotasse no interior da sociedade brasileira, ou seja, as coisas deveriam se desenrolar de modo discreto. O Impeachment de Dilma Rousseff (que foi um Golpe de Estado) não teve o devido amparo constitucional, foi um processo frágil e abafado pelo torpor da população brasileira. A marcha do Golpe prosseguiu em meio a uma sociedade brasileira completamente dividida. A prisão ilegal de Lula em 2018 para impedir sua participação nas Eleições daquele ano aprofundou a crise de forma ainda mais chamativa e radicalizou a sociedade brasileira que se polarizou de forma praticamente irreversível entre Direita e Esquerda. Um dos grandes resultados desse processo violento foi a ascensão do Bolsonarismo – um projeto fascista de governo que, embora não seja contrário aos interesses da Grande Burguesia, aprofundou uma polarização perigosa que os donos do poder econômico frequentemente buscam evitar. Uma das grandes capacidades de poder político da Burguesia na História é dominar e oprimir sem que a população desconfie de que algo arbitrário e violento esteja em andamento. Esta sensação foi completamente destruída nos anos de Bolsonaro entrelaçada com um governo improvisado, repleto de figuras escatológicas como, por exemplo, Sérgio Moro que alcançou o seu primeiro grande objetivo, atingir o poder político como Ministro da Justiça. O objetivo final de Moro era: ser um presidenciável em futuro próximo ou Ministro do Supremo Tribunal Federal. Enlameado em situações antiéticas e vítima de suas próprias contradições e maquinações, não alcançou nem um e nem outro objetivo. Se quisermos falar em tons religiosos, quis Deus talvez, puni-lo pela ambição.
Mas não podemos achar que a Justiça dos homens dependa eternamente da justiça divina, o que aqui se faz, aqui se paga. Sérgio Moro há de responder ainda por toda a sua sanha antiética que colocou em risco e em crise um dos maiores países do Globo terrestre, um país protagonista do Mundo emergente. Não se pratica tal guerra sem que efeitos colaterais de grande volume sejam despertados. A fala de Moro em relação a Gilmar Mendes pode ser uma simples brincadeira inofensiva mas ela serve de canal para que os brasileiros entendam quem de fato é Sérgio Moro, uma das figuras mais lamentáveis que o Brasil foi capaz de produzir. Não à toa muitos o comparam a Carlos Lacerda no século XX ou há quem até mesmo o compare a a Domingos Calabar, considerado popularmente como um dos maiores traidores da pátria.